Jejum

Em geral a abstinência de comida ou bebida, um termo comum a várias línguas teutônicas. Alguns derivam a palavra de uma raiz cujo significado primário quer dizer segurar, manter, observar ou restringir a si próprio. O termo latino jejunium denota um intestino animal que está sempre vazio. Tal abstinência varia de acordo com a medida de restrição circunscrita do uso de comida e bebida. Daí que ela pode denotar a abstinência de todos os tipos de comida e bebida por um dado período. Tal é a natureza do jejum prescrito pela Igreja antes da Santa Comunhão (jejum natural). Também pode significar uma abstinência de comida e bebida como é ditada pela disposição física ou mental peculiar a cada indivíduo, e é então conhecida como um jejum moral ou filosófico. De maneira parecida o termo compreende as práticas penitenciais comuns a várias comunidades religiosas na Igreja. Finalmente, na estrita acepção do termo, jejuar denota a abstinência de comida, e como tal é um ato de temperança que encontra a sua raison d’être nos ditames da lei natural e sua completa perfeição nos requisitos da legislação eclesiástica positiva.

Na antiguidade cristã os eustacianos (Sozomen, História Eclesiástica II.33) negavam a obrigação, para os cristãos mais perfeitos, dos jejuns da Igreja; eles foram condenados (380) pelo Sínodo de Gangra (can. xiv) que também afirmou incidentalmente a antiguidade tradicional dos jejuns eclesiásticos (HefeleLeclercq, Hist. des Conciles. French tr. Paris, 1908, 1, p. 1041). Contrários às afirmações infundadas destes sectários, os moralistas são unânimes em sustentar que uma lei natural inculca a necessidade de jejuar porque cada criatura racional está obrigada a trabalhar inteligentemente para subjugar a concupiscência. Como consequência, as criaturas racionais são logicamente obrigadas a adotar maneiras comensuráveis com a realização deste fim (ver MORTIFICAÇÃO). Dentre as maneiras que servem naturalmente a este propósito o jejum ocupa um lugar de primeira importância. A função da lei positiva é intervir na designação dos dias nos quais esta obrigação deva ser observada, bem como a maneira com a qual esta mesma obrigação deva ser desobrigada nos dias autoritativamente indicados.

O que pertence à origem bem como ao desenvolvimento histórico desta obrigação na Igreja pode ser extraído facilmente dos artigos sobre ABSTINÊNCIA e JEJUM NEGRO. A lei do jejum, eclesiástica em seu gênio, está inescrita em sua origem e consequentemente deve ser compreendida e aplicada com o devido respeito pelos costumes dos vários tempos e lugares. Veja os correspondentes artigos histórico-arqueológicos nos vários dicionários modernos e enciclopédias de Arqueologia Cristã, e.g. Martigny, Kraus, Smith e Cheetham, Cabrol e Leclercq. Detalhes serão encontrados sob ADVENTO; QUARESMA; VIGÍLIA; QUATRO TÊMPORAS.

Nos Estados Unidos da América todos os dias da Quaresma; as Sextas-feiras do Advento (geralmente); as Quatro Têmporas; as vigílias do Natal e de Pentecostes, bem como aquelas (14 de ago.) da Assunção; (31 de out.) de Todos os Santos, são agora dias de jejum. Na Grã-Bretanha, Irlanda, Austrália e Canadá, os dias acima indicados, juntamente com as Quartas-feiras do Advento e (28 de junho) a vigília dos Santos Pedro e Paulo, são dias de jejum. O jejum essencialmente consiste em tomar apenas uma refeição completa dentro de vinte e quatro horas, por volta do meio dia. Também implica na obrigação de se abster de comer carne durante o mesmo período, a menos que uma autoridade legítima conceda permissão para comer carne. A quantidade de comida permitida para esta refeição nunca foi tema de legislação positiva. Quem quer que portanto coma uma refeição saudável ou suntuosa de maneira a suportar o peso do jejum satisfaz a obrigação do jejum. Qualquer excesso durante a refeição mitiga contra a virtude da temperança, sem comprometer a obrigação de jejuar.

De acordo com o uso geral, o meio dia é o momento propício para esta refeição. Por boas razões esta hora pode ser legitimamente antecipada. Não se comete um pecado grave mesmo que esta refeição seja tomada uma hora completa antes do meio dia sem razão suficiente, porque a substância do jejum, que consiste em tomar apenas uma refeição completa em um dia, não é posta em perigo. De maneira análoga, a hora para a refeição do meio-dia e a da refeição leve pode, por boas razões, ser conscientemente invertida. Em muitas das nossas grandes cidades esta prática agora prevalece. De acordo com D’Annibale (Summa Theologiae Moralis, 4 ed. III, 134) e Noldin (Summa Theologiae Moralis, n. 674) boas razões justificam alguém tomar uma refeição leve pela manhã, a refeição completa ao meio-dia e o “café da manha” à noite, porque a substância do jejum permanece intacta. Nada como uma interrupção notória deve ser admitida durante o curso da refeição do meio-dia, porque tal intervalo virtualmente formaria duas refeições ao invés de uma. O senso comum, tomando em consideração a intenção individual e a duração da interrupção, deve finalmente determinar se a dada interrupção foi considerável ou não. Ordinariamente uma interrupção de meia hora é considerada leve. Mesmo assim, um indivíduo, após ter começado a refeição do meio-dia e se deparar com uma genuína interrupção que dure por uma hora ou mais está totalmente justificado em retomar e finalizar a refeição após o término da interrupção. Finalmente, a menos que razões especiais sugiram o contrário, não é permitido prolongar imoderadamente o tempo desta refeição. Ordinariamente, uma duração de mais que duas horas é considerada imoderada nesta matéria.

Além de uma refeição completa, a Igreja agora permite uma refeição leve geralmente tomada à noite. Ao considerar este ponto os devidos subsídios devem ser feitos para qual costume foi introduzido a respeito tanto da quantidade como da qualidade das provisões permitidas neste repasto. Em primeiro lugar, por volta de duzentos e vinte gramas de comida são permitidas na refeição leve mesmo que esta quantidade de comida possa satisfazer o apetite de algumas pessoas. Além disso, a atenção deve ser dada para o temperamento de cada pessoa, deveres, duração do jejum, etc. Consequentemente, muito mais comida é permitida em climas frios que nos quentes, mais para aqueles que trabalham durante o dia do que para aqueles de folga, mais para os fracos e famintos do que para os fortes e bem alimentados. Como regra geral o que quer que seja considerado necessário de modo a capacitar uma pessoa a dar a devida atenção aos seus deveres pode ser tomado na refeição leve. Ademais, desde que o costume introduziu a refeição leve, os usos de cada país devem ser considerados para determinar a qualidade dos provimentos permitidos ali. Em alguns locais ovos, leite, manteiga, queijo e peixe são proibidos, enquanto pão, bolo, frutas, ervas e vegetais são permitidos. Em outros lugares, leite, ovos, queijo, manteiga e peixe são permitidos, seja por costume ou por indulto. Este é o caso nos Estados Unidos. Contudo, de modo a formar julgamentos perfeitamente seguros a respeito deste ponto, as regulações da Quaresmais de cada diocese devem ser cuidadosamente lidas. Finalmente, um pouco de chá, café, chocolate ou bebidas do tipo juntamente com um pedaço de pão ou biscoito é agora permitido pela manhã. Estritamente falando, tudo que possa ser classificado como líquidos pode ser tomado como bebida ou medicamentos a qualquer hora do dia ou da noite em dias de jejum. Logo, água, limonada, água gaseificada, ginger ale (refrigerante/cerveja de gengibre), vinho, cerveja e bebidas similares podem ser tomadas em dias de jejum fora do momento da refeição mesmo que tais bebidas possam, em certa medida, servir de nutriente. Café, chá, chocolate diluído, electuários feitos de açúcar, bagas de zimbro, e cidra podem ser tomados em dias de jejum, fora do momento da refeição, como medicamento por aqueles que os considerarem úteis à saúde. Mel, leite, sopa, caldo, óleo ou qualquer outra coisa que tenha a natureza de comida, não é permitido sob nenhuma das duas categorias já especificadas. É impossível decidir matematicamente quanta comida é necessária para envolver uma séria violação desta lei. Moralistas bem como canonistas concordam em considerar que um ecesso de 115 gramas militaria seriamente contra a obrigação do jejum, tenha esta quantidade de comida sido consumida de uma vez ou em vários intervalos durante o dia porque Alexandre VII (18 de março de 1666) condenou o ensinamento daqueles que alegavam que aquela comida tomada assim não deveria ser considerada como igualando ou excedendo o montante permitido (Denzinger, Enchiridion Symbolorum et Definitionum, tenth ed. Freiburg im Br., 1908, No. 1129).

Embora Bento XIV (Constitutions, Non Ambiginius, 31 de maio de 1741; in superna, 22 de ago. De 1741) tenha concedido permissão de comer carne em dias de jejum, ele claramente proibiu o uso de peixe e carne vermelha na mesma refeição em todos os dias de jejum durante o ano bem como nos Domingos durante a Quaresma. (Carta ao Arcebispo de Compostela, 10 de junho de 1745, in Bucceroni Enchiridion Morale No. 147). Esta proibição vale para todos obrigados a jejuar exceto os que são compelidos pelo trabalho ou porque ainda não atingiram vinte e um anos. Além disto esta proibição se estende àquelas carnes permitidas em dias de jejum seja por dispensa ou por indulto. Comete-se pecado a cada vez que estes atos proibidos são realizados.

A lei eclesiástica sobre o jejum representa uma séria obrigação para todos os indivíduos batizados capazes de assumir obrigações desde que já tenham completado seus vinte um anos e não estejam dispensados por outros motivos. Esta doutrina é meramente uma aplicação prática de um princípio universalmente aceito por moralistas e canonistas através do qual o caráter de obrigação na legislação humana é considerado sério ou leve na medida em que o elemento material, envolvido na lei carrega ou não carrega uma relação próxima e íntima com o cumprimento do fim prescrito. Visto que o jejum considerado como uma função da virtude da temperança carrega uma tal relação com a promoção do bem estar espiritual do homem (ver Prefácio Quaresmal no Missal Romano), ele certamente inclui uma obrigação geralmente séria. A esta razão a priori pode ser acrescentada aquilo que a história da Igreja revela a respeito das graves penalidades atreladas à transgressão desta lei. O número sessenta e nove dos Cânones Apostólicos decreta a degradação de bispos, padres, diáconos, leitores ou cantores que falham em jejuar durante a Quaresma, e a excomunhão de leigos, que falham neste caminho. O cânone cinquenta e seis do Sínodo de Trullo (692) contém regulamentações similares. Finalmente Alexandre VII (24 de set. de 1665) condenou uma proposição formulada nos seguintes termos: Aquele que violar a lei eclesiástica de jejuar à qual está obrigado não peca mortalmente a menos que aja com desdém ou desobediência (Denzinger, op. cit., no. 1123). Embora esta obrigação seja geralmente séria, nem toda infração da lei é mortalmente pecaminosa. Sempre que uma transgressão da lei falha em causar violência substancial à lei, pecados veniais são cometidos. A incapacidade de guardar a lei do jejum e a incompatibilidade do jejum com as tarefas do estado de vida de alguém bastam, por sua própria natureza, para extinguir a obrigação porque tão frequentemente quanto a obrigação de leis positivas se mostram extremamente pesadas ou cansativas, a obrigação é forçosamente levantada. Assim, o doente, o enfermo, convalescentes, mulheres delicadas, pessoas com sessenta anos ou mais, famílias cujos membros não podem ter o necessário para uma refeição completa ao mesmo tempo, ou que não tenham nada além de pão, vegetais ou mantimentos do tipo, aqueles a quem o jejum provoque a perda do sono ou severas dores de cabeça, esposas cujos jejuns incorram na indignação de seus maridos, crianças cujo jejum provoque a ira dos pais; em uma palavra, todos aqueles que não podem corresponder com a obrigação do jejum sem sofrer mais que as privações ordinárias são dispensados por conta de sua incapacidade de cumprir com a obrigação. De modo similar, fadiga incomum ou fraqueza corporal experimentada no dever e super induzida pelo jejum suspende a obrigação de jejuar. Contudo, nem todo tipo de trabalho, mas apenas aquele que é duro e prolongado dispensa da obrigação de jejuar. Estas duas condições não estão restritas ao trabalho braçal, mas podem ser igualmente verificadas com relação ao trabalho intelectual. Assim, escriturários, estenógrafos, operadores de telégrafo, consultores jurídicos e muitos outros cujas ocupações sejam altamente mentais são candidatos à exceção neste ponto, quase tão bem quanto os trabalhadores diurnos ou comerciantes. Quando estas causas que geram isenção por sua própria natureza não existem, superiores legalmente constituídos podem dispensar seus subordinados da obrigação de jejuar. Consequentemente o Soberano Pontífice pode sempre e em qualquer lugar conceder dispensas válidas desta obrigação. Sua dispensa será licita quando razões suficientes embasarem a concessão. Em casos particulares e por boas razões, os bispos podem conceder dispensas em suas respectivas dioceses. A menos que empoderados por indulto eles não têm liberdade de dispensar todos os seus súditos simultaneamente. Deve-se notar que geralmente os bispos emitem logo antes da Quaresma circulares ou pastorais, que são lidas para os fiéis ou de outra forma tornadas públicas, e nas quais eles dão a conhecer, na autoridade da Sé Apostólica, o estado atual da obrigação, dispensas, etc. Padres encarregados com o cuidado das almas podem dispensar indivíduos por boas razões. Superiores de comunidades religiosas podem dispensar membros individuais de suas respectivas comunidades desde razões suficientes existam. Confessores não estão qualificados a conceder estas dispensas a menos que eles tenham sido explicitamente delegados para tal. Eles podem, entretanto, decidir se existem razões suficientes para se suspender a obrigação.

Aqueles que têm permissão da Santa Sé para comer carne em dias proibidos, podem desfrutar desta concessão em suas refeições completas, não apenas nos dias de abstinência mas também em dias de jejum. Quando a idade, enfermidade ou trabalho liberam os cristãos do jejum, eles têm a liberdade de comer carne quantas vezes eles estejam justificados a fazer refeição desde que o uso de carne seja permitido por um indulto geral do seu bispo (Sacred Penitentiaria, 16 de jan. de 1834). Finalmente, a Santa Sé tem declarado repetidamente que o uso de banha permitido por indulto compreende manteiga ou a gordura de qualquer animal.

Nenhum estudante de disciplina eclesiástica pode falhar em perceber que a obrigação de jejuar é raramente observada em sua integridade nos dias de hoje. Consciente das condições de nossa época, a Igreja está sempre moldando os requisitos desta obrigação para ir de encontro com o melhor interesse de seus filhos. Ao mesmo tempo nenhuma medida de leniência a esse respeito pode eliminar a lei natural e positiva divina que impõem a mortificação e a penitência ao homem por conta do pecado e de suas consequências. (Concílio de Trento, Sess. VI. can. xx)

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