A Ave Maria (algumas vezes chamada de “Saudação angélica”) é a mais familiar das orações utilizadas pela Igreja Universal em honra de Nossa Bendita Senhora.
É comumente descrita como consistindo de três partes. A primeira, “Ave (Maria) cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita és tu entre as mulheres”, incorpora as palavras usadas pelo Anjo Gabriel ao saudar a Bendita Virgem (Lucas, I, 28). A segunda, “e bendito é o fruto do teu vosso ventre (Jesus)”, é emprestada do cumprimento divinamente inspirado de Sta. Isabel (Lucas 1:42), que se soma mais naturalmente à primeira parte, porque as palavras “benedicta tu in mulieribus” (I, 28) ou “inter mulieres” (I, 42) são comuns a ambas as saudações. Finalmente, a petição “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.” é afirmada pelo “Catecismo do Concílio de Trento” oficial como tendo sido composto pela própria Igreja. “Com toda razão”, diz o Catecismo, “a Santa Igreja de Deus acrescentou a esta ação de graças, também petição e a invocação da mais santa Mãe de Deus, deste modo indicando que nós devemos piedosa e suplicantemente recorrer a ela para que por sua intercessão ela possa reconciliar Deus conosco pecadores e obter para nós as bênção de que precisamos tanto para esta presente vida como para aquela que não terá fim.”
Origem
Era previsível que as palavras marcantes da saudação do anjo seria adotada pelos fiéis tão logo que uma devoção pessoal à Mãe de Deus se manifestasse na Igreja. A forma apresentada pela Vulgata, Ave gratia plena, “Ave cheia de graça”, foi frequentemente criticada como uma tradução por demais explícita do grego chaire kecharitomene, mas as palavras são em todo caso mais marcantes, e a Versão Revisada Anglicana agora suplementa o “Ave, tu que é grandemente agraciada” da Versão Autorizada original pela alternativa marginal, “Ave tu, dotada de graça”. Não nos surpreende, portanto, encontrar estas ou análogas palavras empregadas em um ritual siríaco atribuído a Severo, Patriarca de Antioquia (c. 513), ou por André de Creta e S. João Damasceno, ou ainda no “Liber Antiphonarious” de S. Gregório Magno como o ofertório da missa para o quarto Domingo do Advento. Mas tais exemplos dificilmente garantem a conclusão de que a Ave Maria já estava em uso em tão primevo período na Igreja como uma fórmula separada de devoção católica. Similarmente uma história atribuindo a introdução da Ave Maria a Sto. Ildefonso de Toledo deve provavelmente ser considerada como apócrifa. A lenda narra como Sto. Ildefonso indo à igreja à noite encontrou Nossa Senhora sentada na abside em sua própria cadeira episcopal cercada por um coro de virgens que lhe cantavam louvores. Então Sto. Ildefonso se aproximou “fazendo uma série de genuflexões e repetindo a cada uma delas aquelas palavras da saudação do anjo: ‘Ave Maria cheia de graça o Senhor é contigo, bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre'”. Nossa Senhora então se mostrou agradecida pela homenagem e recompensou o santo com o presente de uma bela casula (Mabillon, Acta SS. O.S.B., saec V, pref., no. 119). A história, no entanto, em sua forma explícita não pode ser rastreada para mais além do que Hermann de Laon no começo do século XII.
Na verdade há pouco ou nenhum vestígio da Ave Maria como uma fórmula de devoção aceita antes de 1050. Todas as evidências sugerem que ela surgiu de certos versículos e responsórios ocorridos no Pequeno Ofício ou Curso da Bendita Virgem que só àquela época estava entrando em uso entre as ordens monásticas. Dois manuscritos anglo-saxões no Museu Britânico, um dos quais pode ser tão velho quanto o ano 1030, mostra que as palavras “Ave Maria” etc. e “benedicta tu in mulieribus et benedictus fructus ventris tui” apareciam em praticamente cada parte do Curso, e embora nós não possamos ter certeza de que estas cláusulas eram a princípio unidas de maneira a fazer uma única oração, há evidências conclusivas de que isto veio a acontecer pouco mais tarde. (Ver “O Mês”, nov., 1901, pp. 486-8.) A grande coleção de lendas marianas que começou a ser formada nos primeiros anos do século XII (ver Mussafia, “Marien-legenden”) nos mostra que esta saudação de Nossa Senhora rapidamente se tornou amplamente prevalente como uma forma de devoção privada, embora não esteja claro o quão longe foi o costume de incluir a cláusula “e bendito é o fruto do vosso ventre”. Porém o Abade Baldwin, um cisterciense que foi sagrado Arcebispo de Canterbury em 1184, escreveu antes desta data um tipo de paráfrase da Ave Maria na qual ele diz:
A esta saudação do anjo, pela qual nós diariamente cumprimentamos a mais Bendita Virgem, nós estamos acostumados a acrescentar as palavras “e bendito é o fruto do vosso ventre”, por cuja cláusula Isabel num momento posterior, ao ouvir a saudação da Virgem a ela, a tomou e completou, como se fossem as palavras do anjo, dizendo: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre.”
Não muito depois disto (c. 1196) nós encontramos um decreto sinodal de Eudes de Sully, Bispo de Paris, ordenando o clero a ver que a “Saudação à Bendita Virgem” era familiarmente conhecida do rebanho bem como o Credo e a Oração do Senhor; e depois desta data decretos similares passaram a ser frequentes em cada parte do mundo, começando na Inglaterra com o Sínodo de Durham em 1217.
A Ave Maria, uma saudação
Para compreender os desenvolvimentos iniciais desta devoção é importante se ater ao fato de que aqueles que primeiro usaram esta fórmula reconheciam completamente que a Ave Maria era meramente uma forma de saudação. Foi portanto um longo costume acompanhar as palavras com alguns gestos externos de homenagem, uma genuflexão, ou ao menos uma inclinação de cabeça. De Sto. Aybert, no século XII, é registrado que ele recitava 150 Ave Marias diariamente, 100 com genuflexões e 50 com prostrações. Deste modo Thierry nos fala de S. Luis da França que “sem contar suas outras orações o santo Rei se ajoelhava todas as tardes cinquenta vezes e a cada vez ele se levantava e então ajoelhava de novo e repetia lentamente uma Ave Maria”. Ajoelhar-se na Ave Maria era ordenado em muitas das ordens religiosas. Então no Ancren Riwle, um tratado que um exame do manuscrito 402 de Corpus Christi mostra ser de uma época anterior ao ano de 1200, as irmãs são instruídas a, ao recitar ambos o Gloria ao Pai e a Ave Maria no Ofício, elas deveriam ou fazer uma genuflexão ou se inclinar profundamente de acordo com o tempo eclesiástico. Deste modo, devido à fadiga destas repetidas prostrações e genuflexões, a récita de um número de Ave Marias foi frequentemente considerada como um exercício penitencial, e é registrado de certos santos canonizados, p.ex. a freira dominicana Sta. Margarete (m. 1292), filha do Rei da Hungria, que em certos dias ela recitava a Ave mil vezes com mil prostrações. Este conceito de Ave Maria como uma forma de saudação explica em alguma medida a prática, que é certamente mais velha que a época de S. Domingos, de repetir a saudação por pelo menos 150 vezes seguidas. A ideia é assemelhada àquela do “Santo, Santo, Santo”, que somos ensinados a pensar que segue continuamente até diante do trono no mais alto dos céus.
Desenvolvimento da Ave Maria
No tempo de S. Luis a Ave Maria terminava com as palavras de S. Isabel: “benedictus fructus ventris tui“; ela foi desde então estendida pela introdução tanto do Santo Nome quanto da cláusula de petição. Com respeito à adição da palavra “Jesus” our, como era corrente no século XV, “Jesus Cristo, Amém”, é comumente dito que assim era devido à iniciativa do Papa Urbano IV (1261)e para a confirmação e indulgência de João XXII. A evidência não parece suficientemente clara para garantir uma afirmação positiva sobre o assunto. Ainda assim, não pode haver dúvida de que esta foi uma crença espalhada no fim da Idade Médias. Um manual religioso popular alemão do século XV (“Der Selen Troïst”, 1474) até mesmo divide a Ave Maria em quatro porções e declara que a primeira parte foi composta pelo Anjo Gabriel, a segunda por Sta. Isabel, a terceira, consistindo apenas do Santo Nome, Jesus Cristo, pelos papas, e a última, i.e. a palavra Amém, pela Igreja.
A Ave Maria como uma oração
É geralmente usado como um assunto de reprovação contra os católicos pelos reformados que a Ave Maria que eles repetem tão constantemente não seria propriamente uma oração. Seria uma saudação que não conteria qualquer petição (ver. e.g. Latimer, Obras, II, 229-230). Esta objeção parece ter sido percebida há muito tempo, e como consequência não era incomum durante os séculos XIV e XV para aqueles que recitavam suas Aves privadamente adicionar algumas cláusulas ao final, após as palavras “ventris tui Jesus”. Vestígios desta prática nos encontram particularmente nas paráfrases em versos da Ave que datam daquele período. A mais famosa delas é a que é atribuída, embora incorretamente, a Dante, e pertencendo em todo o caso à primeira metade do século XIV. Nesta paráfrase a Ave Maria termina com as seguintes palavras:
O Vergin benedetta, sempre tu
Ora per noi a Dio, che ci perdoni,
E diaci grazia a viver si quaggiu
Che’l paradiso al nostro fin ci doni;
(Ó bendita Virgem, roga a Deus por nós sempre, que Ele possa nos perdoar e nos dar a graça, para viver aqui embaixo de modo que Ele possa nos recompensar com o paraíso na nossa morte.)
Comparando as versões da Ave existentes em várias línguas, p.ex. italiana, espanhola, alemã, provençal, nós descobrimos que há uma tendência geral a concluir com uma apelação pelos pecadores e especialmente por ajuda na hora da morte. Ainda assim uma boa gama de variações prevaleceram nestas formas de petição. Ao final do século XV não havia uma conclusão aprovada oficialmente, embora uma forma que lembrava aproximadamente a nossa presente fórmula era às vezes designada como “a oração do Papa Alexandre VI” (ver “Der Katholik”, abril de 1903, p. 334), e era entalhada separadamente nos sinos (Beisesel, “Verehrung Maria”, p. 460). Mas para propósitos litúrgicos a Ave até o ano de 1568 terminava com “Jesus, Amém” e uma observação no “Myroure of our Ldy” escrita para as freiras brigetinas de Syon, claramente indicava este sentimento geral.
Some saye at the begynnyng of this salutacyon Ave benigne Jesu and some saye after ‘Maria mater Dei’, with other addycyons at the ende also. And such thinges may be saide when folke saye their Aves of theyr own devocyon. But in the servyce of the chyrche, I trowe it to be moste sewer and moste medeful (i.e. meritorious) to obey the comon use of saying, as the chyrche hath set, without all such addicions.
Alguns dizem ao começo desta saudação Ave bendito Jesus e alguns dizem após ‘Maria mãe de Deus’, com outras adições ao final também. E tais coisas podem ser ditas quando alguém rezar as Aves de sua própria devoção. Mas no serviço da igreja, eu penso ser mais conveniente e mais meritório obedecer ao uso comum da oração, como a igreja determina, sem todas essas adições.
Nós encontramos a Ave como a conhecemos agora, impresso no breviário dos monges camaldoleses, e no da Ordem das Mercês c. 1514. Provavelmente esta, a forma atual da Ave, veio da Itália, e Esser afirma que ela é encontrada escrita exatamente como nós rezamos agora nos manuscritos de Sto. Antônio de Florença que morreu em 1459. Isto, contudo, é duvidoso. O que é certo é que uma Ave Maria idêntica à nossa, exceto pela omissão da única palavra nostrae, está impressa no cabeçalho da pequena obra de Savonarola publicada em 1495, da qual há uma cópia no Museu Britânico. Mesmo antes disso, em uma edição francesa do “Calendário dos Pastores” que apareceu em 1493, uma terceira parte é adicionada à Ave Maria, que é repetida na tradução inglesa de Pynson alguns anos depois na forma: “Santa Maria mãe de Deus rogai por nós pecadores. Amém“. Em uma ilustração que aparece no mesmo livro, o papa e toda a Igreja são retratados ajoelhados perante Nossa Senhora e saudando-a com esta terceira parte da Ave. O reconhecimento oficial da Ave Maria em sua forma completa, embora prenunciado nas palavras do Catecismo do Concílio de Trento, coo citado no início deste artigo, foi finalmente concedido no Breviário Romano de 1568.
Um ou dois outros pontos conectados com a Ave Maria podem ser apenas brevemente abordados. Parece que na Idade Média a Ave foi se tornando tão intimamente conectada com o Pai Nosso, que era tratada como um tipo de farsura, ou inserção, antes das palavras et ne nos inducas in tentationem quando o Pai Nosso era rezado secreto (ver vários exemplos citados na “O Mês”, nov., 1901, p. 490). A prática dos pregadores interromperem seus sermões próximo do começo para rezar a Ave Maria parece ter sido introduzido na Idade Média e ser de origem franciscana (Beissel, p. 254). Uma curiosa ilustração de sua conservação entre católicos ingleses no reinado de James II pode ser encontrada no “Diário” do Sr. John Thoresby (I, 182). Também pode ser notado que embora o uso católico moderno seja acordado em favor da forma “o Senhor é convosco”, este é um desenvolvimento relativamente recente. O costume mais geral a um século atrás era dizer “nosso Senhor é convosco” e o Cardeal Wiseman em um de seus ensaios vigorosamente reprova a mudança (Ensaios sobre Vários Assuntos, I, 76), caracterizando-a como “dura, hipócrita e destrutiva para a unção que a oração exala”. Finalmente pode ser notado que em alguns lugares, especialmente na Irlanda, o sentimento ainda sobrevive de que a Ave Maria se completa com a palavra Jesus. De fato o escritor é informado que no interior da sua memória viva não é incomum que os camponeses irlandeses, quando se lhes pede para rezarem Ave Marias como penitência, perguntarem se eles devem rezar as “Santas Marias” também. Quanto à Ave Maria no sentido de Angelus, ver ANGELUS. Em relação à sua conexão com o Angelus, a Ave Maria era frequentemente gravada nos sinos. Um desses sinos em Eskild na Dinamarca, data de cerca do ano 1200, traz a Ave Maria entalhada nele em caracteres de runas. (Ver Uldall, “Danmarks Middelalderlige Kirkeklokker”, Copenhagen, 1906, p. 22.)