Gloria in Excelsis Deo (Glória a Deus nas Alturas)

A grande doxologia (hymnus angelicus) na missa é uma versão de uma velha fórmula grega. Ela começa com as palavras cantadas pelos anjos no nascimento de Cristo (Lucas 2:14). A este verso outros foram adicionados há muito tempo, formando uma doxologia. De uma forma ligeiramente diferente ocorreu ao começo de uma “oração matinal” (proseuche eothine) nas “Constituições Apostólicas”, VII, xlvii. Este texto, que tem uma coloração de subordinacionismo (su monos kyrios Iesou Christou), será encontrada em Duchesne, “Origines du Culte chretien” (2nd ed., Paris, 1898, p.158, n.I). Ela remonta a pelo menos o século III; Probst (Lehre und Gebet der drei ersten christl. Jahrhunderte”, Tübingen, 1870, p. 290) supõe até mesmo ser do primeiro século. Um formato muito similar é achado no Códice Alexandrino (século V) e em Pseudo-Atanásio, “de Virginitate”, §20 (antes do século IV), em P.G. XXVIII, 275. Mais estendida e com cada traço de subordinacionismo corrigido, é cantada pela Igreja Bizantina na Ortodoxa. Nesta forma há mais versos que na latina e ela termina com o Triságion (horologion to mega, Roma, 1876, p. 57). Não é usada na Liturgia por nenhuma Igreja Oriental. Apenas a primeira cláusula (o texto de Lucas 2:14) aparece como parte da resposta do povo às palavras, “Holy things for the holy” (As coisas santas aos santos)(n.d.t.: na liturgia latina, corresponde ao momento em que o padre eleva as espécies consagradas e diz “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”), na elevação na Liturgia da Constituição dos Apóstolos (Brightman, Liturgias Orientais, Oxford, 1896, p. 25), como parte das preces do Ofertório e da Comunhão na Liturgia de S. Tiago (ibid., pp. 45, 64), e no beijo da paz no Rito Abissínio (p. 227), na Prótese Nestoriana (p. 248) e ainda ao começo da sua liturgia (p. 252), na Prótese Bizantina (p. 361). A tradição é que ela foi traduzida para o latim por Sto. Hilário de Poitiers (m. 366). É bastante possível que ele a tenha aprendido durante seu exílio no Oriente (360) e trazido de volta uma versão dela consigo (assim como Belethus, “Rationale divinorum officiorum”, c. 36; e Duandus “Rationale”, IV, 13, que pensava que ele apenas acrescentou do “Laudamus te” à missa, e notou que Inocêncio III atribuía isso a Telésforo, outros a Símaco). Seja como for, a versão latina difere da atual forma grega. Elas correspondem até o final da latina, que entretanto acrescenta: “Tu solus altissimus” e “Cum sancto Spiritu”. A grega então segue: “Todos os dias eu te bendigo e glorificarei o vosso nome para todo o sempre” e continua com mais dez versos, principalmente dos salmos, até o Triságion e o Gloria Patri.

O “Liber pontificalis” diz “Papa Telésforo [128-139?] ordena que . . . nas missas do Nascimento do Senhor deve ser rezada à noite . . . e que o hino angélico, que é o Gloria in Excelsis Deo, deve ser rezado antes do sacrifício” (ed. Duchesne, I, 129); também “que o Papa Símaco [498-514] ordenou que o hino, Gloria in excelsis, deve ser rezado a cada Domingo e nas festas [natalícias] dos mártires“. “O Glória é para ser rezado em seu local atual, após o “Introito” e o “Kyrie”, mas apenas pelos bispos” (ibid., 263). Nós o vemos então sendo introduzido inicialmente para o Natal, na festa à qual ele pertence especialmente e então estendido aos Domingos e certas grandes festividades, mas apenas para os bispos. O “Ordo Romanus I” diz que quando o Kyrie é concluído “o pontífice, voltando-se para o povo, começa o Gloria in Excelsis, se for ocasião para isto [si tempus fuerit]” e nota especialmente que os padres podem rezá-lo apenas na Páscoa (ed. C. Atchley, London, 1905, pp.130, 148). O “Ordinário de Sto. Amândio” (Duchesne, “Origines”, appendix, p. 460) nos traz a oração reservada apenas para o Sábado de Aleluia e para o dia de sua ordenação. O Sacramentário Gergoriano (dicitur Gloria in excelsis Deo, si episcopus fuerit, tantummodo die dominico sive diebus festis; a presbyteris autem minime dicitur nisi solo in Pascha) e Walafrid Strabo no “Liber de exordiis”, c. 22, em P.L., CXIV, 945, apontam a mesma coisa. Bernoldo de Constança considerava isso uma injustiça já no século XI (Libellus de quibusdam rebus ad Missæ officium pertinentibus, c. 2, in P.L., CXLII, 1059). Mas chegando ao final do mesmo século o Glória era rezado tanto pelos padres como pelos bispos. O “Micrologus” (escrito pelo mesmo Bernoldo de Constança, 1048) nos conta que “Em cada festa que tem ofício completo, exceto no Advento e na Septuagésima, e na festa dos (Santos) Inocentes tanto os padres como os bispos rezam o Gloria in excelsis” (c. ii). Assim ela se tornou, como é agora, um elemento de cada missa exceto nos tempos de penitência. Até mesmo no Advento, até que começasse a ser considerado um tempo especial, ele era rezado. Já na época de Amalário de Metz (século IX) (De officiis eccl. libri IV, IV, 30), era rezado durante o Advento “em alguns locais”. Isso se aplicaria, é claro, às missas celebradas pelos bispos nos Domingos e festas do período. Assim também conta Honório de Autun (1145) no século XII, “Gemma animæ”, III, 1. Vestes brancas eram usadas e o Glória rezado, em Roma durante o Advento até o final do século XII, “Ordo Romanus XI”, 4. Depois disso, o Advento foi gradualmente considerado um tempo de penitência em imitação à Quaresma. O Te Deum e o Glória foram deixados de lado nesse período e o uso das vestes púrpura foi introduzido.

Os chamadas farced Glorias foram uma criação medieval. Como no caso do Kyrie, versos foram introduzidos em seu texto para ocasiões especiais. Tais formas expandidas foram muito populares, especialmente uma para festas da Bem Aventurada Virgem Maria que parece ter sido usada por toda a Europa. Assim no Missal Sarum, após as palavras “Domine Fili unigenite, Jesu Christe”, “Spiritus et alme orphanorum paraclyte” era acrescentado; depois de “Filius Patria” era inserido “Primogenitus Mariæ virginis matris”. E ainda: “Suscipe deprecationem nostram, ad Mariæ gloriam”, e o final: “Quoniam tu solus sanctus, Mariam sanctificans, Tu solus Dominus, Mariam gubernans. Tu solus altissimus, Mariam coronans, Jesu Christe” (ed. Burntisland, 1861-1883, col. 585-6). A seguinte rubrica diz: “In omnibus aliis missis quando dicendum est, dicitur sine prosa”; isto é, em outras missas que não aquelas da B. Av. V. Maria, o tropo adicional — chamado de prosa — era para ser omitido. Estes tropos adicionados aos textos litúrgicos ad libitum estavam contidos em livros especiais, “Libri troparii”. A despeito de repetidas ordens para expugná-los, eles ainda eram cantados em lugares quando o missal era revisado por ordem de Pio V em 1570. Na bula “Quo primum” daquele ano (impressa no início do missal) o papa proibia qualquer coisa de ser acrescentada, ou alterada, no texto dos livros publicados então. A popularidade das fórmulas sobre a BenditaVirgem causou a rubrica no missal após o Glória: “Sic dicitur Gloria in excelsis, etiam in missis B. Mariæ quando dicendum est.” A partir daí estas formas “falseadas” felizmente desapareceram. Pode-se notar aqui que o Glória, originalmente externo aos ritos Milanês e Moçárabe, tinha deslocado o velho Triságion neles desde o século VII — uma óbvia importação Romana (Duchesne, op. cit., p. 183 e nota).

A lei atual sobre o uso do Glória é dada pela “Rubricæ generales” do missal, VIII, 3. É para ser rezado na missa sempre que o Te Deum é rezado nas Matinas — com duas exceções. É portanto omitida nas férias (exceto no Tempo Pascal), Têmporas, vigílias, durante o Advento, e da Septuagésima até a Páscoa, quando a missa é de tempore. A festa dos Santos Inocentes, porém não a sua oitava, é observada com vestimentas púrpuras e sem o Te Deum ou o Glória (vimos isto já no “Micrologus” acima). Nem se deve rezar o Glória nas missas de réquiem ou votivas, com três exceções: missas votivas da Bem Aventurada Virgem Maria aos Sábados, dos Anjos, e aquelas rezadas “pro re gravi” ou por uma causa pública da Igreja, a menos que seja com vestimentas púrpura, têm o Glória. Os dois casos nos quais ele ocorre sem o Te Deum no Ofício são a Quinta-feira Santa (quando toda a missa é uma exceção do Tempo Pascal e não tem correspondência com as horas canônicas) e o Sábado de Aleluia na primeira missa da Páscoa. O Glória sempre envolve “Ite missa est” ao final da missa. Quando não é rezado aquele versículo é mudado para “Benedicamus Domino” ou, nos réquiens, para “Requiescant in pace.”

A maneira de rezar é descrita no “Ritus celebrandi Missam”, IV, 7. No “Ordo Romanus I” (acima) o celebrante se vira para a assembleia para dizer as primeiras palavras. Isto não é mais observado. Na missa solene tão logo o Kyrie é finalizado o celebrante encarando o altar no meio, entoa: “Gloria in excelsis Deo”, elevando, juntando e abaixando suas mãos e inclinando sua cabeça na palavra Deo. Enquanto isso o diácono e o subdiácono ficam atrás dele em fila. Eles então vão para a sua direita e esquerda e com ele continuam o Glória em voz baixa. Todos se curvam no santo nome (isto ocorre duas vezes) e nas palavras: “Adoramus te”, “Gratias agimus tibi”, “Suscipe deprecationem nostram” e fazem o sinal da cruz na última cláusula. Eles então vão per viam breviorem (genuflexionando primeiro, de acordo com a regra usual) para a sedilia e se sentam. Enquanto isso o coro imediatamente continua: “Et in terra pax”, e prossegue cantando o texto. No missal anterior quatro cantos eram impressos para a entonação do celebrante (para Dobras, Missas da B. Av. V. Maria, Domingos, e Simples). Esta entonação deveria ser feita em cada parte — no começo — da melodia continuada pelo coro; então na nova (“Vaticana”) edição do missal, dezoito cânticos alternativos são fornecidos, um para cada Glória no Gradual. Obviamente, quando uma missa em cantochão é cantada, o celebrante deve entonar o Glória pelo mesmo canto (e na mesma frequência) que a continuação pelo coro. O ideal é que o coro continue de uma vez sem qualquer tipo de prelúdio pelo órgão; “Et in terra pax” etc. é a segunda metade da mesma sentença como “Gloria in excelsis Deo”. Numa missa figurada uma correspondência tão exata assim não é possível. Mas em todo o caso o coro não pode jamais repetir as palavras do celebrante. Cada Glória em uma missa figurada deve começar com: “Et in terra pax”. O costume — antigamente muito comum — de ignorar o celebrante e começar novamente com “Gloria in excelsis” é uma abominação imperdoável que deve ser derrubada sem misericórdia, caso ainda exista em algum lugar. Enquanto o Glória é cantado, o celebrante, ministros, e servos se inclinam (ou descobrem) no santo nome e em outras cláusulas, como acima. Durante a última cláusula o celebrante e os ministros se levantam e vão para o altar per viam longiorem (genuflexionando ao seu pé, de acordo com a regra) e tomam seus lugares para o “Dominus vobiscum” antes da Coleta. Nas missas cantadas a mesma ordem é observada pelo celebrante sozinho. Nas missas rezadas ele recita o Glória direto em clara voce, fazendo o sinal da cruz durante a última cláusula (In gloria Dei Patris. Amém).

Místicas e edificantes reflexões sobre o Glória serão encontradas em Durando e Gihr (ver abaixo). Durando vê muito simbolismo no fato de a Igreja (isto é, os homens) continuarem o hino angélico. Pelo nascimento de Cristo que restaura todas as coisas nos céus e na terra (Efésios 1:10), os anjos e os homens, separados pelo pecado original, agora são reconciliados; os homens agora podem ter esperança de algum dia unirem-se aos hinos angélicos. Gihr fornece um comentário devocional do texto, palavra por palavra. Ele enxerga uma razão mística para a ordem das palavras: Laudamus, benedicimus, adoramus, glorificamus. Alguém pode ser edificado por tais considerações sem atribuir tantas sutilezas ao desconhecido subordinacionista que aparentemente as organizou primeiramente. Notar-se-á que o Glória é um hino de louvor endereçado a cada uma das Pessoas da Santíssima Trindade de cada vez, embora a cláusula sobre o Espírito Santo seja bem curta (cum sancto Spiritu) sendo evidentemente um pensamento posterior. Ela não aparece no texto das Constituições Apostólicas. Será visto também que as cláusulas são arranjadas em paralelos com um certo ritmo solto. Este ritmo está muito mais evidente no grego original (medido é claro por acento); por exemplo:

Kyrie basileu epouranie,
Thee pater pantokrator

Por último, será difícil encontrar em qualquer liturgia um exemplo mais belo de poesia que nossos hymnus angelicus. O Glória e o Te Deum são apenas resquícios que temos agora dos psalmi idiotici (salmos compostos por pessoas particulares ao invés de formas tomadas do Saltério Bíblico) que eram tão populares no segundo e terceiro séculos. Estes salmos privados facilmente se tornaram órgãos para ideias heréticas, e assim caíram em desfavor pelo século IV (Batiffol, “Histoire du Bréviaire romain”, Paris, 1895, 9-12). A beleza extraordinária desses dois (aos quais alguém poderia acrescentar o phos hilaron) é uma testemunha do esplendor daquela explosão de poesia lírica entre os cristãos durante o tempo da perseguição.

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