A palavra indulgência (Latim indulgentia, de indulgeo, ser gentil ou suave) originalmente significava gentileza ou favor; no latim pós-clássico assumiu o significado de remissão de uma taxa ou débito. Na lei romana e na Vulgata do Antigo Testamento (Isaías 61:1) foi usada para expressar a liberação do cativeiro ou punição. Na linguagem teológica também a palavra é às vezes empregada em seu sentido primário para significar a bondade e misericórdia de Deus. Mas no sentido especial no qual é considerada aqui, uma indulgência é uma remissão da pena temporal devida pelo pecado, de cuja culpa se foi perdoado. Dentre os termos equivalentes usados na antiguidade estão pax, remissio, donatio, condonatio.
- O que uma indulgência não é
Para facilitar a explicação, pode ser bom declarar o que uma indulgência não é. Ela não é uma permissão para cometer pecado, nem um perdão de um pecado futuro; tampouco poderia ser concedida por qualquer poder. Ela não é a remissão da culpa do pecado; ela supõe que o pecado já foi perdoado. Ela não é uma exceção de qualquer lei ou dever, e muito menos da obrigação consequente em certos tipos de pecado, p.ex., restituição; pelo contrário, ela significa um pagamento mais completo do débito que o pecador deve a Deus. Ela não confere imunidade à tentação ou remove a possibilidade de lapsos subsequentes no pecado. Menos que tudo é uma indulgência a compra do perdão que garante a salvação do comprador ou a libertação da alma de alguém do Purgatório. O absurdo de tais noções deve ser óbvio a qualquer um que forme uma ideia correta do que a Igreja Católica realmente ensina sobre este assunto.
O que uma indulgência é
Uma indulgência é uma remissão extra-sacramental da pena temporal devida, na justiça de Deus, pelo pecado que foi perdoado, cuja remissão é concedida pela Igreja no exercício do poder das chaves, através da aplicação dos méritos superabundantes de Cristo e dos santos, e por algum motivo justo e razoável. A respeito desta definição, os seguintes pontos devem ser observados:
- No Sacramento do Batismo não apenas a é a culpa do pecado remida, mas também todas as penalidades ligadas ao pecado. No Sacramento da Penitência a culpa do pecado é removida, e com ela a pena eterna devida ao pecado mortal; mas ainda resta a pena temporal requerida pela justiça divina, e este requerimento deve ser cumprido seja na vida presente ou no mundo vindouro, i.e., no Purgatório. Uma indulgência oferece ao pecador penitente os meios de pagar este débito durante esta vida na Terra.
- Alguns decretos de indulgência—nenhum deles, porém, emitidos por qualquer papa ou concílio (Pesch, Tr. Dogm., VII, 196, no. 464)—contêm a expressão “indulgentia a culpa et a poena“, i.e. libera da culpa e da punição; e isto ocasionou considerável mal entendido (cf. Lea, “History” etc. III, 54 sqq.). O sentido real da fórmula é que com as indulgências pressupondo o Sacramento da Penitência, o penitente, após receber a absolvição sacramental da culpa do pecado, é depois disto libertado da pena temporal pela indulgência (Belarmino, “De Indulg”., I, 7). Em outras palavras, o pecado é plenamente perdoado, i.e. seus efeitos inteiramente obliterados, apenas quando a completa reparação, e consequentemente libertação da penalidade bem como da culpa, tiver sido feita. Daí Clemente V (1305-1314) ter condenado a prática daqueles fornecedores de indulgências que fingiam absolver “a culpa et a poena” (Clement, I. v, tit. 9, c. ii); o Concílio de Constância (1418) revogou (Sess. XLII, n. 14) todas as indulgências contendo a fórmula mencionada; Bento XIV (1740-1758) as trata como indulgências espúrias concedidas nesta forma, que ele atribui às prática ilícitas dos “quaestores” ou fornecedores (De Syn. dioeces., VIII, viii. 7).
- A satisfação, geralmente chamada de “penitência”, imposta pelo confessor quando ele concede a absolvição é uma parte integrante do Sacramento da Penitência; uma indulgência é extra-sacramental; ela pressupõe os efeitos obtidos pela confissão, contrição e satisfação sacramental. Ela difere também da obra penitencial realizada por iniciativa própria pelo pecador arrependido — oração, jejum, esmola — estas são pessoais e tiram seu valor dos méritos daquele que as realiza, enquanto que uma indulgência coloca à disposição do penitente os méritos de Cristo e dos santos, que formam o “Tesouro” da Igreja.
- Uma indulgência é válida tanto no tribunal da Igreja como no tribunal de Deus. Isto significa que ela não apenas libera o penitente de sua dívida com a Igreja ou da obrigação de realizar uma penitência canônica, mas também da pena temporal na qual ele incorreu à vista de Deus à qual, sem a indulgência, ele teria que sofrer de modo a satisfazer a justiça divina. Isto, entretanto, não implica que a Igreja finja deixar de lado o clamor da justiça de Deus ou que ela permita ao pecador repudiar sua dívida. Como S. Tomás diz (Supplement.25.1 ad 2um), “Aquele que recebe indulgências não está por isso liberado definitivamente do que ele deve como penalidade, mas é dado a ele os meios de pagá-la”. A Igreja portanto nem deixa o penitente desamparado em sua dívida nem o absolve de todas as demais; ela o habilita a cumprir suas obrigações.
- Ao conceder uma indulgência, o concedente (o papa ou um bispo) não oferece seus méritos pessoais no lugar do que Deus exige do pecador. Ele age por sua capacidade oficial como tendo jurisdição na Igreja, de cujo tesouro espiritual ele extrai os meios com os quais o pagamento deve ser feito. A Igreja em si não é a proprietária absoluta, mas simplesmente a administradora, dos méritos superabundantes que tal tesouro conter. Ao aplicá-los, ela mantém em vista ambos o desígnio da misericórdia de Deus e as demandas da justiça de Deus. Ela portanto determina a quantidade de cada concessão, bem como as condições que o penitente deve cumprir se ele quiser ganhar a indulgência.
Vários tipos de indulgências
Uma indulgência que pode ser ganha em qualquer parte do mundo é universal, enquanto uma que pode ser adquirida apenas em um local específico (Roma, Jerusalém, etc.) é local. Uma distinção adicional é que entre indulgências perpétuas, que podem ser recebidas a qualquer tempo, e temporárias, que estão disponíveis em certos dias apenas, ou dentro de certos períodos. Indulgências reais são ligadas ao uso de certos objetos (crucifixo, rosário, medalha); pessoais são aquelas que não requerem o uso de qualquer coisa material do tipo, ou que são concedidas apenas a uma certa classe de indivíduos, p.ex. membros de uma ordem ou confraria. A distinção mais importante, no entanto, está entre indulgências plenárias e parciais. Por indulgência plenária entende-se a remissão da pena temporal completa devida pelo pecado de modo que nenhuma expiação adicional é requerida no Purgatório. Uma indulgência parcial comuta apenas uma certa porção da penalidade; e esta porção é determinada de acordo com a disciplina penitencial da Igreja primitiva. Dizer que uma indulgência de tantos dias ou anos é concedida significa que ela cancela uma quantidade de punição purgatorial equivalente àquela que teria sido redimida, à vista de Deus, pela realização de tantos dias ou anos da pena canônica antiga. Aqui, evidentemente, o cômputo não evoca uma exatidão absoluta; tem apenas um valor relativo.
Somente Deus sabe qual pena resta a ser paga e qual é a quantidade precisa em severidade e duração. Finalmente, algumas indulgências são concedidas em nome dos vivos apenas, enquanto outras podem ser aplicadas em nome das almas dos que partiram. Deve ser notado, entretanto, que a aplicação não tem o mesmo significado em ambos os casos. A Igreja ao conceder uma indulgência aos vivos exercita sua jurisdição; sobre os mortos ela não tem jurisdição e portanto faz da indulgência disponível para eles por meio de sufrágio (per modum suffragii), i.e. ela pede a Deus que aceite estas obras de satisfação e por consideração a elas mitigue ou abrevie os sofrimentos das almas no Purgatório.
Quem pode conceder indulgências
A distribuição dos méritos contidos no tesouro da Igreja é um exercício da autoridade (potestas iurisdictionis), não do poder conferido pelas Sagradas ordens (potestas ordinis). Assim, o papa, como chefe supremo da Igreja na terra, pode conceder todos os tipos de indulgências a qualquer um e a todos os fiéis; e somente ele pode conceder indulgências plenárias. O poder do bispo, previamente irrestrito, foi limitado por Inocêncio III (1215) à concessão de um ano de indulgência na dedicação de uma igreja e quarenta dias em outras ocasiões. Leão XIII (Decreto de 4 de julho de 1899) autorizou os arcebispos da América do Sul a conceder oitenta dias (Acta S. Sedis, XXXI, 758). Pio X (28 de agosto de 1903) permitiu os cardeais em suas igrejas titulares e dioceses a conceder 200 dias; arcebispos, 100; bispos, 50. Estas indulgências não são aplicáveis às almas dos que partiram. Elas podem ser ganhas por pessoas não pertencentes à diocese, mas que estiverem temporariamente dentro de seus limites; e pelos súditos do bispo concedente, estejam estes dentro da diocese ou fora dela—exceto quando a indulgência é local. Padres, vigários gerais, abades e gerais de ordens religiosas não podem conceder indulgências a menos que sejam especialmente autorizados a tal. Por outro lado, o papa pode conferir poder a um clérigo que não seja um padre a conceder uma indulgência (S. Tomás, “Quodlib.”, II, q. viii, a. 16).
Disposições necessárias para ganhar uma indulgência
O mero fato de que a Igreja proclame uma indulgência não implica que ela pode ser ganha sem esforço da parte dos fiéis. Pelo que foi dito acima, fica claro que o receptor deve estar livre da culpa de um pecado mortal. Além disso, para indulgências plenárias, confissão e Comunhão são geralmente requeridas, enquanto que para indulgências parciais, contudo, a confissão não é obrigatória, a fórmula corde saltem contrito, i.e. “ao menos com um coração contrito“, é a prescrição costumeira. A respeito da questão discutida pelos teólogos se uma pessoa em pecado mortal pode ganhar uma indulgência pelos mortos, ver PURGATÓRIO. É também necessário ter a intenção, ao menos habitual, de ganhar a indulgência. Finalmente, pela natureza do caso, é óbvio que alguém deve realizar as boas obras — orações, esmolas, visitas a uma igreja, etc. — que são prescritas na concessão de uma indulgência. Para detalhes ver “Raccolta”.
Ensinamento oficial da Igreja
O Concílio de Constância condenou dentre os erros de Wyclif a proposição: “É estúpido acreditar nas indulgências concedidas pelo papa e pelos bispos” (Sess. VIII, 4 de maio de 1415; ver Denzinger-Bannwart, “Enchiridion”, 622). Na Bula “Exsurge Domine”, de 15 de junho de 1520, Leão X condenou as afirmações de Lutero de que “As indulgências são fraudes piedosas dos fiéis“; e que “As indulgências não servem para aqueles que realmente as ganham para a remissão das penas devidas pelo real pecado à vista da justiça de Deus” (Enchiridion, 75S, 759), o Concílio de Trento (Sess, XXV, 3-4, dez., 1563) declarou: “Considerando que o poder de conceder indulgências foi dado à Igreja pelo Cristo, e que a Igreja desde o princípio fez uso deste poder divinamente concedido, este santo sínodo ensina e ordena que o uso das indulgências, como muito salutar aos cristãos e como aprovado pela autoridade dos concílios, deve ser retido na Igreja; e ele adicionalmente pronuncia anátema contra aqueles que tanto declarem que as indulgências são inúteis como neguem que a Igreja tem o poder de concedê-las (Enchridion, 989). É artigo de fé (de fide)
- que a Igreja recebeu do Cristo o poder para conceder indulgências, e
- que o uso das indulgências é salutar para os fiéis.
Base da doutrina
Um elemento essencial nas indulgências é a aplicação a uma pessoa da satisfação realizada por outros. Esta transferência está baseada em três coisas: a Comunhão dos Santos, o princípio da satisfação vicária, e o Tesouro da Igreja.
A comunhão dos santos
“Assim nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo em Cristo, e cada um de nós é membro um do outro” (Romanos 12:5). Assim como cada órgão compartilha da vida do corpo todo, assim cada um dos fiéis lucra com as orações e boas obras de todos os restantes—um benefício que se soma, em primeira instância, para aqueles que estão em estado de graça, mas também embora menos completamente, para os membros pecadores.
O princípio da satisfação vicária
Cada boa ação do homem justo possui um valor dobrado: aquele do mérito e aquele da satisfação, ou expiação. O mérito é pessoal, e portanto não pode ser transferido; mas a satisfação pode ser aplicada a outros, como S. Paulo escreve aos Colossensess (1:24) de suas próprias obras: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja“.
O tesouro da Igreja
Cristo, como S. João declara em sua Primeira Epístola (2:2), “é a propiciação por nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo”. Como a satisfação de Cristo é infinita, ela constitui um fundo inexaurível que é mais que suficiente para cobrir o endividamento contraído pelo pecado, além disso, há as obras satisfatórias da Bem-aventurada Virgem Maria não reduzidas por nenhuma penalidade devida ao pecado, e as virtudes, penitências, e sofrimentos dos santos excedendo amplamente qualquer pena temporal a que estes servos de Deus possam ter incorrido. Estes são adicionados ao tesouro da Igreja como um depósito secundário, não independente, mas antes adquirido através dos méritos de Cristo. O desenvolvimento desta doutrina em uma forma explícita foi obra dos grandes escolásticos, notadamente Alexandre de Hales (Summa, IV, Q. xxiii, m. 3, n. 6), Alberto Magno (In IV Sent., dist. xx, art. 16), e S. Tomás (In IV Sent., dist. xx, q. i, art. 3, sol. 1). Como o Aquinate declara (Quodlib., II, q. vii, art. 16): “Todos os santos pretendiam que o que quer que eles tivessem feito ou sofrido pelo amor de Deus deveria servir não apenas para eles mas para toda a Igreja“. E ele adicionalmente pontua (Contra Gent., III, 158) que o que alguém enfrenta por outro sendo uma obra de amor, é mais aceitável como satisfação à vista de Deus que o que alguém sofre por si próprio, já que é uma questão de necessidade. A existência de um tesouro infinito de méritos na Igreja está dogmaticamente definida na bula “Unigenitus”, publicada por Clemente VI em 27 de jan., 1343, e mais tarde inserida no “Corpus Juris” (Extrav. Com., lib. V, tit. ix. c. ii): “Sobre o altar da Cruz”, diz o papa, “Cristo derramou de Seu sangue não meramente uma gota, embora isto tivesse bastado, por razão da união com o Verbo, para redimir todo o gênero humano, mas uma copiosa torrente. . . desta forma armazenando um tesouro infinito para a humanidade. Este tesouro Ele nem embrulhou em um guardanapo nem enterrou em um campo, mas confiou ao Bem-aventurado Pedro, o portador das chaves, e seus successores, para que eles possam, por justas e razoáveis causas, distribuí-lo aos fiéis em completa ou em parcial remissão de sua pena temporal devida pelo pecado“. Assim a condenação por Leão X das afirmações de Lutero de que “os tesouros da Igreja dos quais o papa concede indulgências não são os méritos de Cristo e dos santos” (Enchiridion, 757). Pela mesma razão, Pio VI (1794) definiu como falso, temerário, e injurioso aos méritos de Cristo e dos santos, o erro do sínodo de Pistoia de que o tesouro da Igreja foi uma invenção da sutileza escolástica (Enchiridion, 1541).
De acordo com a doutrina católica, portanto, a fonte das indulgências é constituída dos méritos de Cristo e dos santos. Este tesouro está sob custódia, não do cristão individual, mas da Igreja. Consequentemente, para torná-lo disponível aos fiéis, é requerido um exercício de autoridade, que sozinha pode determinar de que jeito, em quais termos, e a que extensão, as indulgências podem ser concedidas.
O poder de conceder indulgências
Uma vez sendo admitido que Cristo deixou à Igreja o poder de perdoar os pecados (ver PENITÊNCIA), o poder de conceder indulgências é inferido logicamente. Como o perdão sacramental do pecado se estende tanto à culpa como à punição eterna, segue-se claramente que a Igreja pode também libertar o penitente da penalidade menor ou temporal. Isto se torna claro, no entanto, quando consideramos a amplitude do poder concedido a Pedro (Mateus 16:19): “Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus“. (Cf. Mateus 18:18, onde um poder igual é conferido a todos os Apóstolos). Nenhum limite é colocado sobre este poder de desligar, “o poder das chaves“, como é chamado; deve, portanto, se estender a qualquer e todos os vínculos contraídos pelo pecado, incluindo a penalidade não menos que a culpa. Quando a Igreja, portanto, por uma indulgência, redime esta penalidade, sua ação, de acordo com a declaração de Cristo, é ratificada nos céus. Que este poder, como o Concílio de Trento afirma, foi exercido desde os tempos primitivos, é demonstrado pelas palavras de S. Paulo (2 Coríntios 2:5-10) nas quais ele trata do caso do homem incestuoso de Corinto. O pecador fora excluído por ordem de S. Paulo da companhia dos fiéis, mas se arrependeu sinceramente. Assim o Apóstolo julgou que para alguém assim “basta a esse homem o castigo que a maioria dentre vós lhe infligiu” e acrescenta: “A quem vós perdoais, também eu perdôo. Com efeito, o que perdoei – se alguma coisa tenho perdoado – foi por amor de vós, sob o olhar de Cristo“. S. Paulo tinha ligado o culpado nos grilhões da excomumhão; ele agora liberta o penitente desta punição por um exercício de sua autoridade — “na pessoa de Cristo“. Aqui nós temos toda a essência de uma indulgência.
Esta essência persiste na prática subsequente da Igreja, embora os fatores acidentais variem de acordo com novas condições que surgem. Durante as perseguições, aqueles cristãos que caíram mas desejaram voltar à comunhão da Igreja geralmente obtinham dos mártires um memorial (libellus pacis) para apresentar ao bispo, para que ele, em consideração aos sofrimentos dos mártires, pudesse admitir os penitentes à absolvição, libertando-os assim da punição em que haviam incorrido. Tertuliano faz referência a isto quando ele diz (Aos Mártires 1): “Tal paz alguns, não a tendo na Igreja, estão acostumados a implorar dos mártires na prisão; e que portanto você deve possuir e cuidar e preservar em si de modo que talvez seja capaz de conceder aos outros”. Luzes adicionais são lançadas neste assunto pelo vigoroso ataque que o mesmo Tertuliano desferiu após ter se tornado um montanista. Na primeira parte de seu tratado “De pudicitia”, ele ataca o papa por sua alegada frouxidão em admitir adúlteros à penitência e perdão, e escarnece do peremptório edito do “pontifex maximus episcopus episcoporum“. Ao final ele reclama que o mesmo poder de remissão é agora permitido também aos mártires, e clama que deve ser o bastante para eles purgar seus próprios pecados — “sufficiat martyri propria delicta purgasse“. E, de novo, “Como pode o óleo de tua pequena lâmpada ser o bastante para ti e para mim?” (c. xxii). É suficiente notar que muitos de seus argumentos poderiam ser aplicados com maior ou menor força às indulgências em épocas posteriores.
Durante a época de S. Cipriano (m. 258), o herege Novaciano alegou que nenhum dos lapsi deveria ser readmitido na Igreja; outros, como Felicíssimo, sustentavam que tais pecadores deveriam ser recebidos sem qualquer penitência. Entre estes extremos, S. Cipriano manteve uma postura mediana, insistindo que tais penitentes deveriam ser reconciliados pelo cumprimento das condições adequadas. Por outro lado, ele condenou os abusos conectados com o libellus, em particular o costume de fazê-los em branco pelos mártires e preenchê-los por qualquer um que precisasse deles. “A isto deveis atender diligentemente”, ele escreve para os mártires (Epístola 15), “que você designe pelo nome aqueles a quem deseja que a paz seja dada”. Por outro lado, ele reconhece o valor destes memoriais: “Àqueles que receberam um libelo dos mártires e com a ajuda deles podem, perante o Senhor, obter o alívio de seus pecados, permita-se, se estiverem doentes e em perigo, após a confissão e imposição de vossas mãos, partirem para o Senhor com a paz prometida a eles pelos mártires” (Epístola 13). S. Cipriano, portanto, acreditava que os méritos dos mártires podiam ser aplicados a cristãos menos merecedores por meio da satisfação vicária, e que tal satisfação era aceitável aos olhos de Deus bem como aos da Igreja.
Após a perseguição ter cessado, a disciplina penitencial permaneceu em vigor, mas uma maior leniência foi demonstrada ao aplicá-la. O próprio S. Cipriano foi reprovado por atenuar a “severidade evangélica” na qual ele inicialmente insistia; a isto ele respondeu (Epístola 52) que tal rigidez fora necessária durante o tempo da perseguição não apenas para estimular os fiéis na realização da penitência, mas também para despertá-los para a glória do martírio; quando, pelo contrário, a paz foi assegurada para a Igreja, um relaxamento foi necessário de modo a prevenir os pecadores de caírem em desespero e levarem a vida dos pagãos. Em 380 S. Gregório de Nissa (Ep. ad Letojum) declarou que a penitência deveria ser abreviada no caso daqueles que mostrassem sinceridade e zelo na sua realização — “ut spatium canonibus praestitum posset contrahere” (can. xviii; cf. can. ix, vi, viii, xi, xiii, xix). No mesmo espírito, S. Basílio (379), após prescrever um tratamento mais leniente para vários crimes, define o princípio geral de que em todos esses casos não é meramente a duração da penitência que deve ser considerada, mas o nodo com que é realizada (Ep. ad Amphilochium, c. lxxxiv). Uma leniência similar é demonstrada por vários concílios—Ancira (314), Laodiceia (320), Niceia (325), Arles (330). Se tornou bastante comum durantes este período favorecer aqueles que estavam doentes e especialmente aqueles que estavam em perigo de morte (ver Amort, “Historia”, 28 sq.). Os antigos penitenciais da Irlanda e Inglaterra, embora exigentes com relação à disciplina, previam um relaxamento em certos casos. S. Cummian, p.ex., em seu Penitencial (século VII), tratando (cap. v) do pecado de roubo, prescreveu que aquele que tivesse cometido frequentemente roubo deveria fazer penitência por sete anos ou por tanto tempo quanto o padre julgasse adequado, deveria sempre se reconciliar com aquele para com quem errou, e restituir proporcionalmente à injúria, e a partir daí sua penitência deveria ser consideravelmente encurtada (multum breviabit poenitentiam ejus). Porém se ele não estivesse disposto ou incapacitado (a concordar com estas condições), deveria fazer penitência pelo tempo completo prescrito em todos os seus detalhes. (Cf. Moran, “Essays on the Early Irish Church”, Dublin, 1864, p. 259.)
Outra prática que mostra muito claramente a diferença entre a absolvição sacramental e a concessão de indulgências era a solene reconciliação dos penitentes. Estes, ao início da Quaresma, recebiam do padre a absolvição dos seus pecados e a penitência ordenada pelos cânones; na Quinta-feira Santa eles se apresentavam perante o bispo, que impondo as mãos sobre eles, os reconciliava com a Igreja, e os admitia à comunhão. Esta reconciliação era reservada ao bispo, como está expressamente declarado no Penitencial de Teodoro, Arcebispo de Canterbury; embora em caso de necessidade o bispo pudesse delegar um padre para este propósito (lib. I, xiii). Como o bispo não ouvia suas confissões, a “absolvição” que ele pronunciava deveria ser uma liberação de alguma penalidade na qual eles haviam incorrido. O efeito, além disso, desta reconciliação era restaurar o penitente ao estado de inocência batismal e consequentemente da liberdade de todas as penalidades, como aparece no suposto Constituições Apostólicas (lib, II, c. xli) onde é dito: “Eritque in loco baptismi impositio manuum“–i.e. a imposição das mãos tem o mesmo efeito que o batismo (cf. Palmieri, “De Poenitentia”, Roma, 1879, 459 sq.).
Em um período posterior (oitavo ao décimo segundo século) se tornou costumeiro permitir a substituição de algumas penas mais leves por aquelas que os cânones prescreviam. Assim o Penitencial de Egbert, Arcebispo de York, declara (XIII, 11): “Para aquele que pode cumprir com o que o penitencial prescreve, muito bem; para aquele que não pode, nós damos conselho da misericórdia de Deus. Ao invés de um dia a pão e água, deixe-o recitar cinquenta salmos de joelhos ou setenta salmos sem genuflectir …. Mas se ele não sabe os salmos e não pode jejuar, deixe-o, ao invés de um ano a pão e água, dar vinte e seis solidi em esmolas, jejuar até a Nona em um dia de cada semana e até às Vésperas de outro, e nas três Quaresmas conceder em esmolas metade do que tiver recebido”. A prática de substituir a recitação dos salmos ou a doação de esmolas por uma porção de jejum foi também sancionada no Sínodo Irlandês de 807, que disse (c. xxiv) que o jejum do segundo dia da semana pode ser “redimido” por recitar um saltério ou por dar um denarius a uma pessoa pobre. Aqui temos o começo das assim chamadas “redenções” que logo passaram a ser de uso geral. Dentre outras formas de comutação estavam as peregrinações a santuários bem conhecidos como aquele em Sto. Albano na Inglaterra ou em Compostela na Espanha. Porém o local mais importante de peregrinação era Roma. De acordo com Beda (674-735) a “visitatio liminum“, ou visita aos túmulos dos Apóstolos, era mesmo então considerada como uma boa obra de grande eficácia (Hist. Eccl., IV, 23). De início os peregrinos vinham simplesmente para venerar as relíquias dos Apóstolos e mártires; mas no decurso do tempo seu propósito principal passou a ser ganhar as indulgências concedidas pelo papa e ligadas especialmente às Estações. Jerusalém, também, há muito era a meta destas piedosas jornadas, e os relatos que os peregrinos fizeram de seu tratamento pelos infiéis acabaram por culminar nas Cruzadas. No Concílio de Clermont (1095) a Primeira Cruzada foi organizada, e foi decretado (can. ii): “A quem quer que, por pura devoção e não pelo propósito de ganhar honra ou dinheiro, vá a Jerusalém para libertar a Igreja de Deus, conceda que tal jornada seja contada no lugar de toda a penitência”. Indulgências similares foram concedidas ao longo dos cinco séculos seguintes (Amort, op. cit., 46 sq.), o objetivo sendo encorajar estas expedições que envolviam tantas dificuldades e ainda assim eram de tão grande importância para a Cristandade e a civilização. O espírito com o qual estas concessões eram feitas é expressado por S. Bernardo, o pregador da Segunda Cruzada (1146): “Recebas o sinal da Cruz, e tu deverás igualmente obter a indulgência de tudo que tiveres confessado com um coração contrito (ep. cccxxii; al., ccclxii).
Concessões similares eram frequentemente feitas em ocasiões, tais como a dedicação de igrejas, p.ex., aquela da velha Igreja Templária em Londres, que fora consagrada em honra da Bem-aventurada Virgem Maria em 10 de fevereiro de 1185, pelo Lorde Heraclius, quem para aqueles que visitavam anualmente indulgenciava sessenta dias de penitência ordenada a eles — como a inscrição sobre a entrada principal atesta. A canonização de santos era geralmente marcada pela concessão de uma indulgência, p.ex. em honra de S. Laurêncio O’Toole por Honório III (1226), em honra de Sto. Edmundo de Canterbury por Inocêncio IV (1248), e em honra de S. Tomás de Hereford por João XXII (1320). Uma indulgência famosa é aquela da Porciúncula, obtida por S. Francico em 1221 de Honório III. Mas a mais importante liberalidade durante este período foi a indulgência plenária concedida em 1300 por Bonifácio VIII àqueles que, estando verdadeiramente contritos e tendo confessado seus pecados, visitassem as basílicas dos Sts. Pedro e Paulo (ver JUBILEU).
Dentre as obras de caridade que foram promovidas por indulgências, a manutenção de hospitais detinha um lugar de destaque. Lea em sua “História da Confissão e das Indulgências” (III, 189) menciona apenas o hospital de Santo Spirito em Roma, enquanto outro escritor protestante, Uhlhorn (Gesch. d. Christliche Liebesthatigkeit, Stuttgart, 1884, II, 244) afirma que “ninguém pode passar pelos arquivos de qualquer hospital sem encontrar numerosas cartas de indulgência”. Aquele em Halberstadt em 1284 tinha não menos de quatorze de tais concessões, cada uma dando uma indulgência de quarenta dias. Os hospitais em Lucerne, Rothenberg, Rostock, e Augsburg gozavam de privilégios similares.
Abusos
Pode parecer estranho que a doutrina das indulgências tivesse se provado uma tal pedra de tropeço, e provocasse tanto preconceito e oposição. Mas a explicação para isto pode ser encontrada nos abusos que infelizmente foram associados com o que em si é uma prática salutar. A esse respeito é claro que as indulgências não são uma exceção: nenhuma instituição, embora santa, escapou inteiramente ilesa de abusos perpetrados pela malícia ou indignidade do homem. Até mesmo a Eucaristia, como S. Paulo declara, significa um comer e beber da própria condenação do destinatário que não discernir o corpo do Senhor (1 Coríntios 11:27-29). E, como a paciência de Deus é constantemente abusada por aqueles que recaem no pecado, não é de se surpreender que o oferecimento de perdão na forma de uma indulgência levaria a práticas más. Estas novamente foram de maneira especial o objeto do ataque por causa, indubitavelmente, da sua conexão com a revolta de Lutero (ver LUTERO). Por outro lado, não se deve esquecer que a Igreja, enquanto aferrada ao princípio e valor intrínseco das indulgências, repetidamente condenou o seu mau uso: de fato, é geralmente da severidade de sua condenação que nós aprendemos quão grave os abusos foram.
Mesmo na era dos mártires, como declarado acima haviam práticas que S. Cipriano fora obrigado a repreender, embora ele não tenha proibido os mártires de dar os libelli. Em tempos posteriores abusos foram confrontados pelas medidas repressivas por parte da Igreja. Assim o Concílio de Clovesho na Inglaterra (747) condenou aqueles que imaginaram que podiam expiar seus crimes substituindo, no lugar de si próprios, as austeridades de penitentes mercenários. Contra as excessivas indulgências concedidas por alguns prelados, o Quarto Concílio Lateranense (1215) decretou que na dedicação de uma igreja a indulgência não deveria ser para mais do que um ano e, até o aniversário da dedicação ou qualquer outro caso, não deveria exceder quarenta dias, sendo este o limite observado pelo próprio papa em tais ocasiões. A mesma restrição foi promulgada pelo Concílio de Ravena em 1317. Em resposta à queixa dos Dominicanos e Franciscanos, de que cetos prelados tinham posto sua própria construção nas indulgências concedidas a estas ordens, Clemente IV em 1268 proibiu qualquer interpretação como esta, declarando que, quando fosse necessária, seria dada pela Santa Sé. Em 1330 os irmãos do hospital de Haut-Pas falsamente afirmaram que as concessões feitas em seu favor foram mais extensivas do que os documentos autorizavam: João XXII fez todos estes irmãos na França serem capturados e aprisionados. Bonifácio IX, escrevendo para o Bispo de Ferrara em 1392, condenou a prática de certos religiosos que falsamente alegavam que foram autorizados pelo papa a perdoar toda sorte de pecados, e extorquiam dinheiro de pessoas ingênuas entre os fiéis prometendo a eles felicidade perpétua neste mundo e a glória eterna no próximo. Quando Henrique, Arcebispo de Canterbury, tentou em 1420 conceder uma indulgência plenária na forma de um Jubileu Romano, foi severamente repreendido por Martinho V, que caracterizou esta ação como “inaudita presunção e audácia sacrílega“. Em 1450 o Cardeal Nícolas de Cusa, Legado Apostólico para a Alemanha, encontrou alguns pregadores afirmando que as indulgências liberavam da culpa do pecado tanto como da punição. Este erro, devido à incompreensão das palavras “a culpa et a poena“, o cardeal condenou no Concílio de Magdeburg. Finalmente, Sisto IV em 1478, para evitar que a ideia da conquista de indulgências se provasse um incentivo ao pecado, reservou ao julgamento da Santa Sé um grande número de casos cujas faculdades foram anteriormente concedidas a confessores (Extrav. Com., tit. de poen. et remiss.).
Tráfico de indulgências
Estas medidas mostram claramente que a Igreja muito antes da Reforma, não apenas reconheceu a existência de abusos, como também usou de sua autoridade para corrigi-los.
Apesar de tudo isto, as desordens continuaram e forneceram o pretexto para ataques dirigidos contra a doutrina em si, não menos que contra a prática das indulgências. Aqui, como em tantos outros assuntos, o amor ao dinheiro foi a principal raiz do mal: as indulgências eram empregadas por eclesiásticos mercenários como um meio de ganho pecuniário. Deixando os detalhes a respeito deste tráfico para um artigo subsequente (ver REFORMA), deve bastar para o presente notar que a doutrina em si não tem uma conexão natural ou necessária com lucro pecuniário, como fica evidente do fato de que abundantes indulgências dos dias de hoje são livres desta má associação: as únicas condições requeridas são a récita de certas orações ou a realização de algumas boas obras ou alguma prática de piedade. Novamente, é fácil enxergar como os abusos se infiltraram. Dentre as boas obras que podem ser encorajadas de serem realizadas como condição de uma indulgência, dar esmolas naturalmente ocuparia um lugar de destaque, porquanto os homens seriam induzidos pelos mesmos meios a contribuir com algumas causas piedosas como a construção de igrejas, a doação para hospitais, ou a organização de uma cruzada. É bom observar que nestes propósitos não há nada essencialmente mau. Dar dinheiro a Deus ou aos pobres é um ato louvável e, quando é feito por motivos corretos, certamente não ficará sem recompensa. Visto sob essa luz, pode muito bem parecer uma condição adequada para o ganho do benefício espiritual de uma indulgência. Ainda assim, embora inocente em si, esta prática estava carregada com grave perigo, e logo se tornou uma frutuosa fonte do mal. Por um lado havia o perigo de que o pagamento pudesse ser considerado como o preço da indulgência, e que aqueles que buscassem ganhá-la perdessem de vista as condições mais importantes. Por outro lado, aqueles que concediam as indulgências poderiam ser tentados a fazer delas meios de levantar dinheiro: e, mesmo onde os líderes da Igreja estavam livres da culpa nesta questão, havia espaço para a corrupção em seus oficiais e agentes, ou entre pregadores populares das indulgências. Esta classe felizmente desapareceu, mas o tipo foi preservado no “Pardoner” de Chaucer, com suas falsas relíquias e indulgências.
Embora não se possa negar que estes abusos se espalharam amplamente, também deve ser notado que, mesmo quando a corrupção estava em seu pior, estas concessões espirituais eram devidamente usadas por cristãos sinceros, que as buscavam de espírito reto, e por padres e pregadores, que tomavam o cuidado de insistir na necessidade de um verdadeiro arrependimento. Portanto não é difícil entender porquê a Igreja, ao invés de abolir a prática das indulgências, mirou ao invés disso em fortalecê-la ao eliminar os elementos maus. O Concílio de Trento em seu decreto “Sobre as Indulgências” (Sess. XXV) declara: “Na concessão de indulgências o Concílio deseja que a moderação seja observada de acordo com o antigo costume aprovado da Igreja, para que por meio de excessivo relaxamento a disciplina eclesiástica seja enfraquecida; e adicionalmente, procurando corrigir os abusos que se infiltraram . . . decreta que todo o ganho criminoso conectados a eles sejam inteiramente eliminados como uma fonte de um repugnante abuso entre o povo cristão; e quanto a outras desordens surgidas de superstição, ignorância, irreverência, ou qualquer causa que seja—já que estas, quanto à corrupção disseminada, não podem ser removida por proibições especiais—o Concílio deposita sobre cada bispo o dever de identificar tais abusos caso existam em sua própria diocese, de trazê-los perante o próximo sínodo provincial, e reportá-los, com o assentimento dos outros bispos, ao Romano Pontífice, por cuja autoridade e prudência medidas serão tomadas para o bem estar da Igreja como um todo, de modo que o benefício das indulgências possa ser concedido para todos os fiéis por meios ao mesmo tempo piedosos, santos, e livres de corrupção”. Após deplorar o fato de que, a despeito dos remédios prescritos por concílios anteriores, os comerciantes (quaestores) de indulgências continuaram sua prática nefasta para grande escândalo dos fiéis, o concílio ordenou que o nome e o método destes quaestores deveriam ser inteiramente abolidos, e que as indulgências e outros favores espirituais dos quais os fiéis não deveriam ser privados deveriam ser publicados pelos bispos e concedidos gratuitamente, de maneira que todos pudessem entender que estes tesouros celestiais eram dispensados para o bem da piedade e não pelo lucro (Sess. XXI, c. ix). Em 1567 S. Pius V cancelou todas as concessões de indulgências envolvendo qualquer taxas ou outras transações financeiras.
Indulgências apócrifas
Um dos piores abusos foi aquele de inventar ou falsificar concessões de indulgências. Antes da Reforma, tais práticas abundavam e clamavam por severos pronunciamentos pela autoridade eclesiástica, especialmente pelo Quarto Concílio Lateranense (1215) e aquele de Viena (1311). Depois do Concílio de Trento a medida mais importante tomada para prevenir tais fraudes foi o estabelecimento da Congregação das Indulgências. Uma comissão especial de cardeais servindo sob Clemente VIII e Paulo V, regulava todos os assuntos pertencentes às indulgências. A Congregação das Indulgências foi definitivamente estabelecida por Clemente IX em 1669 e reorganizada por Clemente XI em 1710. Ela prestou um eficiente serviço ao decidir várias questões relativas à concessão de indulgências e suas publicações. A “Raccolta” foi primeiramente publicada por um de seus consultores, Telesforo Galli, em 1807; as últimas três edições em 1877, 1886 e 1898 foram publicadas pela Congregação. A outra publicação oficial é o “Decreta authentica”, contendo as decisões da Congregação de 1668 a 1882. Isto foi publicado em 1883 por ordem de Leão XIII. Ver também “Rescripta authentica” por Joseph Schneider (Ratisbona, 1885). Através de um Motu Proprio de Pio X, datado de 28 de janeiro de 1904, a Congregação das Indulgências foi unida à Congregação dos Ritos, sem qualquer diminuição, contudo, de suas prerrogativas.
Efeitos salutares das indulgências
Lea (História, etc., III, 446) de uma forma um pouco relutante reconheceu que “com o declínio das possibilidades financeiras do sistema, as indulgências se multiplicaram enormemente como um incentivo a exercícios espirituais e elas podem já ser tão facilmente obtidas que não há perigo da recorrência dos velhos abusos, ainda que o mais fino senso de oportunidade, característica dos tempos modernos, da parte de ambos os prelados e do povo, não detenha a tentativa”. O significado completo, entretanto, desta “multiplicação” reside no fato de que a Igreja, ao desenraizar os abusos, demonstrou o rigor de sua vida espiritual. Ela conservou a prática das indulgências, porque, quando estas são usadas de acordo com o que ela prescreve, elas fortalecem a vida espiritual pela indução dos fiéis à aproximação dos sacramentos e à purificação de suas consciências do pecado. E além disso, elas encorajam a prática, em um espírito verdadeiramente religioso, de obras que redundam, não apenas no bem estar dos indivíduos, mas também na glória de Deus e no serviço ao próximo.
Fontes
BELARMINO, De indulgentiis (Colônia, 1600); PASSERINI, De indulgentiis (Roma, 1672); AMORT, De origine……indulgentiarum (Veneza, 1738); BOUVIER, Traité dogmatique et pratique des indulgences (Paris, 1855): SCHOOFS, Die Lehre vom kirchl. Ablass (Munster, 1857); GRONE, Der Ablass, seine Gesch. u. Bedeutung (Ratisbona, 1863).