As palavras de abertura (usadas como título) da mais celebrada das quatro antífonas do breviário da Santa Virgem Maria. É rezada a partir da Primeira Véspera do Domingo da Trindade até a Nona do Sábado anterior ao Advento. Uma exceção é notada no “Dict. de liturgie” (s.v.) de Migne, que o rito de Châlons-sur-Marne a estabelece desde a Purificação de N. Senhora até a Quinta-feira Santa. Uma outra variação, peculiar à catedral de Speyer (onde ele é cantado solenemente todo dia “em honra de S. Bernardo”), pode ter sido baseada em uma de duas lendas ligando a antífona com o santo de Claraval. Uma delas relata que, enquanto o santo atuava como legado apostólico na Alemanha, ele adentrou (na Véspera de Natal de 1146) a catedral para a procissão cantando a antífona e, quando as palavras “O clemens, O pia, O dulcis Virgo Maria” foram recitadas, ele genufletiu três vezes. De acordo com a narrativa mais comum, entretanto, o santo acrescentou a tripla invocação pela primeira vez, em razão de uma súbita inspiração. “Pratos de bronze foram depositados no pavimento da igreja, para marcar os passos do homem de Deus para a posteridade e os lugares onde ele tão tocantemente implorou a clemência, misericórdia e doçura da Bendita Virgem Maria” (Ratisbonne, “Vida e Tempo de S. Bernardo”, Ed. americana, 1855, p. 381, onde detalhes completos são fornecidos). Pode ser dito de passagem que a lenda é considerada muito duvidosa por diversas razões:
- a narrativa aparentemente se originou no século XVI e relata um fato do XII;
- o silêncio dos contemporâneos e companheiros do santo é significativo;
- o argumento musical sugere um mesmo autor tanto da antífona como das palavras conclusivas.
A autoria agora é geralmente atribuída a Hermann Contractus. Durando, em seu “Rationale”, a atribui a Pedro de Monsoro (m. por volta de 1000), Bispo de Compostela. É também atribuída a Adhémar, Bispo de Pódio (Puy-en-Velay), donde vem o apelido “Antiphonade Podio” (Antífona de Le Puy). Adhémar foi o primeiro a pedir permissão para partir numa cruzada, e o primeiro a receber a cruz do Papa Urbano II. “Antes da sua partida, chegando no final de outubro de 1096, ele compôs a canção de guerra da cruzada, na qual ele pedia a intercessão da Rainha do Céu, a Salve Rainha” (Migne, “Dict. des Croisades”, s.v. Adhémar). Diz-se que ele pediu aos monges de Cluny para inclui-la em seu ofício, mas nenhum vestígio do seu uso em Cluny é conhecido antes do tempo de Pedro o Venerável, que decretou (por volta de 1135) que a antífona deveria ser cantada em procissão em certas festas. Talvez estimulado pelo exemplo de Cluny, ou por causa da devoção à Mãe de Deus de São Bernardo (o santo era diligente em espalhar um amor pela antífona, e muitos postos de peregrinação alegam que ele é o fundador da devoção em sua localidade), ela foi introduzida na Cîteaux em meados do século XII, e até o século XVII era usada como uma antífona solene para o Magnificat nas festas da Purificação, Anunciação e Natividade de Nossa Senhora, e para a Bênção para Laudes da Assunção. Em 1218 o capítulo geral prescreveu sua recitação processional diária diante do altar-mor após o Capitulum; em 1220 foi ordenada a sua récita diária a cada um dos monges; e 1228 ordenou seu canto “mediocri voce”, juntamente com sete salmos, etc. em cada Sexta-feira “pro Domino Papa” (Gregório IX se refugiu em Perúgia por causa do Imperador Frederico II), “pro pace Romanae Ecclesiae”, etc. etc. — a lista longa de “intenções” indicando o quão salutar era considerada esta invocação de Nossa Senhora. O uso da antífona na Completa começou com os dominicanos por volta de 1221 e rapidamente foi propagada por eles. Antes da metade do século, ela foi incorporada com outras antífonas da Virgem Maria no “modernizado” breviário franciscano, e com isso entrou para o Breviário Romano. Alguns estudiosos dizem que a antífona era usada por aquela ordem (e provavelmente desde sua fundação) antes de Gregório IX prescrever o seu uso universal. Os cartuxos a entoam diariamente nas Vésperas (exceto do Primeiro Domingo do Advento até a Oitava da Epifania, e do Domingo da Paixão até o Baixo Domingo) bem como após cada hora do Pequeno Ofício de Nossa Senhora. Os cistercienses a cantavam após as Completas desde 1251 até o final do século XIV e a têm cantado desde 1483 até a presente data — uma devoção diária, exceto na Quinta-feira Santa e na Sexta-feira da Paixão. Os carmelitas a recitam após cada hora do Ofício. O Papa Leão XIII prescreveu a sua recitação (6 de janeiro de 1884) depois de cada missa rezada, juntamente com outras orações — uma lei ainda em vigor.
Enquanto a antífona está em uma prosa sonora, a melodia do canto a divide em membros que, apesar de comprimento silábico desigual, são indubitavelmente para fechar com o efeito rítmico evanescente que se nota quando ela é colocada em forma dividida:
- Salve Regina (Mater) misericordiae,
- Vita, dulcedo, et spes nostra, salve.
- Ad te clamamus, exsules filii Hevae;
- Ad te suspiramus gementes et flentes in hac lacrymarum valle.
- Eia ergo advocata nostra, illos tuos misericordes oculos ad nos converte.
- Et Jesum, benedictum fructum ventris tui, nobis post hoc exsilium ostende.
- O Clemens, O pia,
- O dulcis (Virgo) Maria.
Similarmente, Notker, o Gago finalizava com o som do “E” latino todos os versos da sua sequência, “Laus tibi, Christe” (Santos Inocentes). A palavra “Mater” no primeiro verso não é encontrada em fonte alguma, mas é uma inserção tardia do século XVI. Assim como a palavra “Virgo” no último verso parece ser datado apenas do século XIII. Mone (Lateinische Hymnen des Mittelalters, II, 203-14) nos dá nove hinos medievais baseados na antífona. Daniel (Thesaurus hymnologicus, II, 323) nos legou uma dezena. O “Analecta hymnica” oferece várias transfusões e tropos (e.g. XXXII, 176, 191-92; XLVI, 139-43). Os compositores adotaram uma curiosa forma de introdução do texto, por exemplo (século XIV):
Salve splendor praecipue
supernae claritatis,
Regina vincens strenue
scelus imietatis,
Misericordiae tuae
munus impende gratis, etc.
Esse poema tem quatorze estrofes como esta. Outro poema, do século XV, tem quarenta e três estrofes de quatro versos. Outro ainda, do século XV, é mais condensado:
Salve nobilis regina
fons misericordiae, etc.
Uma característica deste é a sua aparente preferência pela fórmula mais breve, “O clemens, O pia, O dulcis Maria.”
A antífona figurou amplamente nas devoções da tarde das fraternidades e guildas que se formaram em grande número por volta do início do século XIII. “Na França, este serviço era comumente conhecido como Salut, nos Países Baixos como o Lof, na Inglaterra e na Alemanha simplesmente como o Salve. Agora parece certo que nosso atual bendito serviço resultou da adoção geral desta cantoria dos cânticos diante da imagem de Nossa Senhora, aprimorada como costuma ser no decurso dos séculos XVI e XVII pela exposição do Santíssimo Sacramento, que era empregado de início apenas como um adjunto para conferir adicional solenidade.” (Padre Thurston; ver BÊNÇÃO DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO para uma maior elaboração). Lutero reclamava que a antífona era cantada por todo lugar ao redor do mundo, que os grandes sinos das igrejas eram soados em sua honra, etc. Ele objetava especialmente para as palavras “Rainha de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa”; mas a linguagem da devoção não é a do dogma, e alguns protestantes, não desejando que ela desaparecesse das igrejas luteranas, a reconstruindo “evangelicamente” (p.ex., uma versão em uso em Erfurt em 1525: “Salve Rex aeternae misericordiae”.) Os jansenistas encontraram uma dificuldade parecida, e buscaram alterar a expressão para “a doçura e esperança de nossa vida” (Beissel, I, 126). Enquanto isso a antífona figurou amplamente na devoção litúrgica e do povo católico em geral, sendo especialmente cara aos marinheiros. Estudiosos dão exemplo de da Salve Regina pelos marinheiros de Colombo e dos Indianos.
O refinado cantochão foi atribuído a Hermann Contractus. O Antifonário Vaticano (pp. 127-8) apresenta a forma revisada oficial ou “típica” da melodia (primeiro tom). A agora não-oficial edição “Ratisbona” traz a melodia em uma forma ornada e uma forma simples, juntamente com uma configuração que é descrita como sendo no décimo primeiro tom, e que também é muito bonita. Um persistente eco desta última configuração é encontrado no cantochão “Stupete gentes” de Santeul. Há muitas composições de compositores modernos e polifônicos. A de Pergolesi (para uma voz, com dois violinos, viola e órgão) foi escrita pouco antes da sua morte; está colocada entre as “felizes inspirações”, é afamada como seu “maior triunfo na direção da música sacra” e “insuperável em pureza de estilo e comovente e tocante expressividade”.