Sinal da Cruz

Um termo aplicado a vários atos manuais, litúrgicos ou de caráter devocional, que possuem pelo menos o seguinte em comum: que pelo gesto de traçar duas linhas atravessadas em um ângulo reto elas indiquem simbolicamente a figura da cruz de Cristo.

Mais comumente e propriamente as palavras “sinal da cruz” são o uso de uma grande cruz traçada da testa até o peito e de ombro a ombro, como os católicos são ensinados a fazer em si mesmos quando eles começam suas orações, e como também o padre faz aos pés do altar quando ele dá início à missa com as palavras: “In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti“. (No começo da missa o celebrante faz o sinal da cruz colocando a sua mão esquerda estendida sob seu peito; e então elevando sua direita até a testa, que ele toca com as extremidades dos seus dedos, ele diz: In nomine Patris; então, tocando seu peito com a mesma mão, diz: et Filii; tocando seus ombros esquerdo e direito, diz: et Spiritus Sancti; e daí ele junta suas mãos novamente e acrescenta: Amen). O mesmo sinal ocorre frequentemente durante a missa, p.ex. nas palavras “Adjutorium nostrum in nomine Domini“, no “Indulgentiam” após o Confiteor, etc., como também no Ofício Divino, por examplo na invocação “Deus in adjutorium nostrum intende“, ao começo do “Magnificat”, do “Benedictus”, do “Nunc Dimittis”, e em muitas outras ocasiões.

Outro tipo de sinal da cruz é feito no ar pelos bispos, padres, e outros ao abençoar pessoas ou objetos materiais. Esta cruz ocorre também muitas vezes na liturgia da missa e em praticamente todos os ofícios rituais conectados com os sacramentos e sacramentais.

Uma terceira variedade é representada pela pequena cruz, geralmente feita com o polegar, que o padre ou o diácono traça por exemplo sobre o livro dos Evangelhos e sobre sua própria testa, lábios e peito na missa, como também aquela feita sobre os lábios no “Domine labia mea aperies” do Ofício, ou ainda sobre a testa da criança no Batismo, e sobre os vários órgãos dos sentidos na Extrema Unção, etc.

Ainda outra variante do mesmo sinal sagrado pode ser reconhecido no direcionamento do “Livro da Missa para o Povo Leigo” (século XIII) que diz que o povo ao final do Evangelho deve traçar uma cruz sobre o banco ou parede ou um livro e então beijá-lo. Era prescrito em alguns usos antigos que o padre subindo ao altar antes do Introito deveria primeiro traçar uma cruz sobre a toalha do altar e então deveria beijar a cruz traçada. Além disso parece que o costume, prevalecente na Espanha e em alguns outros países, de acordo com o qual um homem, depois de fazer o sinal da cruz da maneira ordinária, aparentemente beija seu polegar, tem uma origem similar. O polegar posto cruzado com o dedo indicador forma uma imagem de uma cruz à qual os lábios são devotamente pressionados.

De todos os métodos mencionados acima de venerar este símbolo dadivoso e adotá-lo como emblema, a marca de uma pequena cruz parece ser o mais antigo. Temos positivas evidências que nos Padres primitivos de que tal prática era familiar aos cristãos no século II. “Em todas as nossas viagens e movimentos”, diz Tertuliano (De cor. Mil., iii), “em todas as nossas indas e vindas, ao calçar os sapatos, no banho, à mesa, ao acender nossas velas, ao deitar, ao sentar, em qualquer empreendimento que nos ocupe, nós marcamos nossa testa com o sinal da cruz”. Por outro lado isto deve logo ter se transformado em um gesto de bênção, como muitas citações dos Padres no século IV irá demonstrar. Assim S. Cirilo de Jerusalém em seu “Catecheses” (xiii, 36) observa: “que então nós não nos envergonhemos de confessar o Crucificado. Seja a cruz o nosso selo, feito com ousadia por nossos dedos em nossa fronte e em cada coisa; sobre o pão que nós comemos e os copos que bebemos, em nossas indas e vindas; antes de dormirmos, quando nos deitamos e quando nós acordamos; quando viajamos e quando vamos descansar”.

O curso do desenvolvimento parece ter sido o seguinte. A cruz era originalmente traçada pelos cristãos com o polegar ou indicador em suas próprias testas. Esta prática é atestada por inúmeras alusões na literatura Patrística, e estava claramente associada com a ideia contida em certas referências nas Escrituras, notavelmente Ezequiel 9:4 (da marca da letra Tau); Êxodo 17:9-14; e especialmente Apocalipse 7:3, 9:4 e 14:1. Quase tão cedo surgiu o costume de fazer uma cruz em objetos — já Tertuliano fala da mulher cristã “assinando” a cama dela (cum lectulum tuum signas, “Ad uxor.”, ii, 5) antes de se retirar para dormir—e nós logo ouvimos também do sinal da cruz sendo traçado nos lábios (Jerônimo, “Epitaph. Paulæ”) e no coração (Prudêncio, “Cathem.”, vi, 129). Naturalmente, se o objeto fosse mais remoto, a cruz que era dirigida a ele deveria ser feita no ar. Assim Epifânio nos conta (Adv. Hær., xxx, 12) de um certo santo homem Josefo, que transmitiu para uma vasinha de água o poder de derrubar encantamentos mágicos ao “fazer sobre o vaso com seu dedo o selo da cruz” pronunciando ao mesmo tempo uma forma de oração. Ainda meio século depois Sozomeno, o historiador da igreja (VII, xxvi), descreve como o Bispo Donato quando atacado por um dragão “fez o sinal da cruz com seu dedo no ar e cuspiu no monstro”. Tudo isso obviamente leva à sugestão de uma cruz muito maior sobre o corpo todo, e talvez o exemplo mais antigo que pode ser citado vindo até nós de uma fonte Georgiana, possivelmente do quarto ou quinto século. Na vida de Santa Nino, uma mulher santa, honrada como a Apóstola da Geórgia, nos é contado nestes termos um milagre operado por ela: “S. Nino começou a rezar e suplicar a Deus por um longo tempo. E então ela tomou a sua cruz (de madeira) e com ela tocou a cabeça da Rainha, seus pés e seus ombros, fazendo o sinal da cruz e imediatamente ela ficou curada” (Studia Biblica, V, 32).

No todo parece provável que a introdução geral da nossa atual cruz maior (da testa ao peito e de ombro a ombro) foi um resultado indireto da controvérsia monofisista. O uso do polegar sozinho ou apenas do dedo indicador, que até então como apenas uma pequena cruz era traçada sobre a testa era quase inevitável, parece ter dado lugar por razões simbólicas ao uso de dois dedos (o indicador e o dedo médio, ou o polegar e o indicador) como a tipificar as duas naturezas e duas vontades em Jesus Cristo. Mas se dois dedos deveriam ser empregados, a cruz grande, na qual a testa, peito, etc. seriam meramente tocados, sugere-se como o único gesto natural. De fato algum amplo movimento do tipo era requerido para se fazer perceptível que um homem estava usando dois dedos ao invés de um. Em alguma data posterior, por toda a grande parte do Oriente, três dedos, ou ainda o polegar e dois dedos eram exibidos, enquanto o anelar e o dedo mínimo eram dobrados em direção da palma. Estes dois eram usados para simbolizar as duas naturezas ou vontades em Cristo, enquanto os outros três estendidos denotavam as três Pessoas da Santíssima Trindade. Ao mesmo tempo estes dedos eram tidos como indicativos da abreviação comum I X C (Iesous Christos Soter), o dedo indicador representando o I, o do meio cruzado com o polegar representando o X e o dedo do meio curvado servindo para sugerir o C. Na Armênia, porém, o sinal da cruz feito com dois dedos ainda é mantido nos dias de hoje. Muito deste simbolismo passou para o ocidente, ainda que numa data posterior.

De modo geral parece provável que a prevalência final da cruz grande é devida a uma instrução de Leão IV em meados do século IX. “Assinale o cálice e a hóstia”, ele escreveu, “com uma cruz direita e não com círculos ou com uma variação dos dedos, mas com dois dedos esticados e o polegar escondido por dentro deles, pelos quais a Trindade é simbolizada. Preste atenção para fazer o sinal corretamente, pois do contrário você pode ter abençoado nada” (ver Georgi, “Liturg. Rom. Pont.”, III, 37). Embora isto, é claro, primariamente se aplique à posição da mão na bênção com o sinal da cruz, parece ter sido adaptado popularmente à feitura do sinal da cruz sobre si mesmo. Elfrico (por volta do ano 1000) provavelmente tinha isso em mente quando ele conta a seus ouvintes em um de seus sermões: “Um homem pode acenar maravilhosamente com suas mãos sem criar qualquer bênção a menos que ele faça o sinal da cruz. Mas se ele o fizer o inimigo logo se assustará em razão do sinal vitorioso. Com três dedos a pessoa deve abençoar a si própria para a Santíssima Trindade” (Thorpe, “The Homilies of the Anglo-Saxon Church” I, 462). Cinquenta anos antes disso os cristãos anglo-saxões eram exortados a “abençoar todos seus corpos sete vezes com o sinal da Cruz de Cristo” (Blicking Hom., 47), que parece presumir esta grande cruz. Beda em sua carta para o bispo Egberto o aconselha lembrar ao seu rebanho “com que frequente diligência empregar sobre eles próprios o sinal da cruz do Senhor”, embora dali não possamos inferir qual tipo de cruz feita. Por outro lado quando nós encontramos no suposto “Livro de Oração do Rei Henrique” (século XI) uma instrução das orações matinais para marcar com a santa Cruz “os quatro lados do corpo”, há uma boa razão para supor que o sinal grande com o qual nós agora estamos familiarizados é o pretendido.

A essa época a maneira de fazer o sinal da cruz no ocidente parece ter sido idêntica com aquela que se seguiu até o presente no Oriente, i.e. apenas três dedos eram usados, e a mão viajava do ombro direito para o esquerdo. Este ponto, deve-se reconhecer, não está inteiramente claro e Thalhofer (Liturgik, I, 633) tende à opinião de que nas passagens de Belethus (xxxix), Sicardo (III, iv), Inocêncio III (De myst. Alt., II, xlvi) e Durando (V, ii, 13), que são usualmente lançadas como prova disto, estes autores tinham em mente a pequena cruz feita sobre a testa ou objetos externos, na qual a mão se move naturalmente da direita para a esquerda, e não a cruz grande feita de ombro a ombro. Mesmo assim, uma rubrica em um manuscrito cópia do Missal de York claramente requer que o padre quando sinalizar a si mesmo com a patena para tocar o ombro esquerdo depois do direito. Além disso fica pelo menos claro a partir de várias gravuras e esculturas que nos séculos XII e XIII a prática grega de estender apenas três dedos foi aderida por muitos cristãos latinos. Assim o compilador do Ancren Riwle (n.d.t.: também conhecido como “Guia para Anacoretas”) (cerca de 1200) orienta suas freiras no “Deus in adjutorium” a fazer uma pequena cruz a partir de cima da testa descendo até o peito com três dedos”. Entretanto pode haver uma pequena dúvida sobre se muito antes do final da Idade Média o sinal grande da cruz era mais comumente feito no Oriente com a mão aberta e se a barra da cruz era traçada da esquerda pra direita. No “Myroure of our Ladye” (p. 80) as Freiras Brigitinas de Sião tinham uma razão mística dada a elas para a prática: “And then ye bless you with the sygne of the holy crosse, to chase away the fiend with all his deceytes. For, as Chrysostome sayth, wherever the fiends see the signe of the crosse, they flye away, dreading it as a staffe that they are beaten withall. And in thys blessinge ye beginne with youre hande at the hedde downwarde, and then to the lefte side and byleve that our Lord Jesu Christe came down from the head, that is from the Father into erthe by his holy Incarnation, and from the erthe into the left syde, that is hell, by his bitter Passion, and from thence into his Father’s righte syde by his glorious Ascension“. (E então vós vos benzeis com o sinal da santa cruz, para afastar o inimigo com suas enganações. Porque, como Crisóstomo disse, sempre que os diabos vêem o sinal da cruz, eles fogem, cheios de medo como se ele fosse um bastão com o qual fossem espancados. E esta bênção vós começais com a mão na cabeça, descendo, e então para o lado esquerdo e acrediteis que Nosso Senhor Jesus Cristo veio da cabeça, isto é, do Pai para a terra por sua santa Encarnação, e da terra para o lado esquerdo, isto é, o inferno, por sua amarga Paixão, e daí para a direita do Pai por sua gloriosa Ascensão)

O gesto manual de traçar a cruz com a mão ou o polegar foi em todos os períodos muito comumente, embora não indispensavelmente, acompanhada por uma fórmula de palavras. A fórmula, porém, variou bastante. Nas eras primitivas nós temos evidências para tal invocação como “O sinal de Cristo”, “O selo do Deus vivo”, “Em nome de Jesus“; etc. Mais tarde encontramos “Em nome de Jesus de Nazaré“, “Em nome da Santíssima Trindade“, “Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, “O nosso auxílio está no nome do Senhor”, “Ó Deus venha em meu auxílio”. Membros da Igreja Grega Ortodoxa quando se benzem com três dedos, como explicado acima, geralmente usam a invocação: “Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós”, cujas palavras, como é bem sabido, tem sido preservadas na sua forma grega pela Igreja Ocidental no Ofício da Sexta-feira Santa.

É desnecessário insistir sobre os efeitos da graça e o poder atribuído pela Igreja em todos os tempos ao uso do santo sinal da cruz. Desde o primeiro momento ele tem sido empregado em todos os exorcismos e conjurações como uma arma contra os espíritos das trevas e ele toma o seu lugar não menos consiste nos rituais dos sacramentos e em cada forma de bênção e consagração. Uma famosa dificuldade é aquela sugerida pela realização do sinal da cruz repetidamente sobre a Hóstia e o Cálice após as palavras da instituição terem sido pronunciadas na missa. A verdadeira explicação é provavelmente encontrada no fato de que no tempo que essas cruzes foram introduzidas (elas variam muito nas cópias antigas do Cânon para ser de uma instituição primitiva), o clero e os fiéis não se perguntavam claramente em qual momento preciso a transubstanciação das espécies se efetivava. Eles se satisfaziam em acreditar que aquilo era o resultado da oração consagratória toda a qual nós chamamos de o Cânon, sem determinar as palavras exatas que a operavam; assim como agora nós nos contentamos em saber que o Sangue Precioso é consagrado pelas palavras todas que são pronunciadas sobre o cálice, sem parar para refletir sobre se todas as palavras são necessárias. Deste modo os sinais da cruz continuam até o final do Cânon e eles podem ser considerados como referindo-se mentalmente à consagração que ainda é concebida como incompleta. O processo é o inverso daquele pelo qual na Igreja Grega na “Grande Entrada” as maiores marcas de honra são rendidas às simples espécies do pão e do vinho em antecipação da consagração que elas estão para receber pouco depois.

Fontes

Thalhofer, Liturgik, I (Freiburg, 1883), 629-43; Warren in Dict. Christ. Antiq. s.v.; Church Quart. Rev., XXXV (1893), 315-41; Beresford-Cooke, The Sign of the Cross in the Western Liturgies (London, 1907); Gretser, De Cruce Christi (Ingolstadt, 1598); Stevens, The Cross in the Life and Literature of the Anglo-Saxons (New York, 1904).

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