Blasfêmia

Blasfêmia (do grego blaptein, “injuriar”, e pheme, “reputação”) significa etimologicamente uma irreverência grosseira dirigida a qualquer pessoa ou coisa digna de exaltada estima. Neste sentido amplo o termo é usado por Bacon quando seu “Avanço do Aprendizado” ele fala da “blasfêmia contra o aprendizado”. S. Paulo fala de ter sido blasfemado (1 Coríntios 4:13) e a Vulgata Latina emprega a palavra blasphemare para designar linguajar abusivo dirigido tanto contra pessoas ao redor (2 Samuel 21:21; 1 Crônicas 20:7) ou contra indivíduos (1 Coríntios 10:30; Tito 3:2).

Significado

Enquanto etimologicamente blasfêmia pode denotar a derrogação da honra devida a uma criatura bem como daquela que pertence a Deus, na sua aceitação estrita é usada apenas neste último sentido. Assim foi definida por Francisco Suárez como “qualquer palavra de maledicência, reprovação, ou injúria proferida contra Deus: (De Relig., tract. iii, lib. I, cap. iv, n. 1). Deve ser notado que de acordo com a definição (1) blasfêmia é definido como uma palavra, por ser ordinariamente expressada na fala, embora possa ser cometida em pensamento ou em ato. Sendo primariamente um pecado da língua, será vista como sendo diretamente oposta ao ato religioso de louvar a Deus. (2) É dito ser contra Deus, embora isto possa ser apenas por mediação, como quando a palavra injuriosa é dita dos santos ou das coisas sagradas, por causa da relação que elas mantém com Deus e Seu serviço.

A blasfêmia, por razão do significado das palavras com as quais é expressada, pode ser de três tipos.

  1. É herética quando o insulto a Deus envolve uma declaração que é contrária à , como na afirmação: “Deus é cruel e injusto” ou “A mais nobre obra do homem é Deus“.
  2. É imprecatória quando clama uma maldição sobre o Ser Supremo como quando alguém diz: “Acabem com Deus“.
  3. É simplesmente contumácia quando é toda feita de desprezo, ou indignação para com Deus, como na blasfêmia de Juliano, o Apóstata: “Tu foste conquistado, Ó Galileu”.

Ainda, a blasfêmia pode ser (1) tanto direta, como quando alguém blasfema formalmente na intenção de desonrar a Divindade, ou (2) indireta, como quando sem tal intenção palavras blasfemas são usadas sem advertência à sua importância.

A malícia da blasfêmia

A blasfêmia é um pecado contra a virtude da religião pela qual nós rendemos a Deus a honra devida a Ele como nosso princípio e fim último. S. Tomás diz que é para ser considerada como um pecado contra a na medida que nós atribuímos a Deus o que não pertence a Ele, ou negamos a Ele o que é Seu (II-II.13.1). De Lugo dentre outros nega que este seja um elemento essencial da blasfêmia (De just. et jure caeterisque virt. card., lib. II, c. xiv, disp. v, n. 26), porém como Escobar (Theol. mor., lib. xxviii, c. xxxii, n. 716 sqq.) observa, a controvérsia neste ponto se refere apenas às palavras, já que os seguidores de S. Tomás vêem no desprezo expressado na blasfêmia a implicação de que Deus é desprezível—uma implicação na qual tudo permitirá que seja atribuído a Deus o que não pertence a Ele. O que é dito aqui é da blasfêmia em geral; manifestamente aquela forma de pecado descrita acima como herética não é apenas oposta à virtude da religião mas da também, igualmente. A blasfêmia é por sua própria natureza (ex toto genere suo) um pecado mortal, o mais grave que pode ser cometido contra a religião. A seriedade de uma afronta é proporcional à dignidade da pessoa contra quem ela é dirigida. Desde que o insulto na blasfêmia é oferecido à inefável majestade de Deus, o grau de sua atrocidade deve ser evidente. Apesar disso por causa de pouca ou nenhuma advertência a blasfêmia pode tanto ser um pecado venial ou mesmo não ser pecado. Assim muitas expressões proferidas na raiva escapam da enormidade de um pecado grave, exceto, como é claro, quando a raiva é ventilada contra Deus. Ainda, no caso onde uma fala blasfema é pronunciada inadvertidamente, pela força do hábito, um pecado grave não é cometido desde que uma séria resistência é feita contra o hábito. Se, entretanto, nenhum esforço é aplicado não pode haver senão uma culpa grave, embora um pecado mortal não seja cometido na ocasião de toda e cada uma das explosões blasfemas. Foi dito que a blasfêmia herética além do teor dirigido contra a religião tem aquele que é oposto à virtude da . Similarmente, a blasfêmia imprecatória é paralelamente uma violação da caridade. Estas formas de pecado sendo especificamente distintas daqueles de um tipo mais simples, fazem necessário especificar seu caráter na confissão. Quanto à blasfêmia ter sido direta ou indireta, no entanto, isso não requer especificação da parte do penitente, já que ambas as formas são especificamente o mesmo, embora claramente diferentes no grau de malícia. Uma questão foi levantada se a blasfêmia contra os santos difere em tipo da que é proferida imediatamente contra Deus. Enquanto De Lugo considera que tal diferença existe (De Poenit., disp. xvi, n. 178 sqq.), a opinião oposta de Sto. Afonso parece mais convincente, pois como os teólogos mais recentes observam, os santos, ordinariamente falando, não são blasfemados devido a sua própria excelência mas devido a sua relação próxima com Deus (Theol. Moral., lib. IV, n. 132).

A esta questão S. Boaventura (In 2, dist. 41, a. 1, q. 3, onde, entretanto, será observado, o Doutor Seráfico fala diretamente de mérito apenas) responde afirmativamente, e com ele Scotus (In 2, dist. 40-41, et quodl. 18), e todos da escola Escotista. Assim também Sporer (Theol. Moral., 1, III, § v); Elbel (Theol. Moral., tom. I, n. 86); Vásquez (in 1-2, disp. 52); Arriaga (De Act. Hum., disp. 21); e em nossos próprios dias o Arcebisoo Walsh (De Act. Hum., n. 588 sq.). S. Tomás (In 2, dist. 40., a. 5; De Malo, q. 2, a. 4 et 5; 1-2, q. 18, a. 9), e seus comentadores sustentam a opinião oposta. Bem como Francisco Suárez (De. Bon. Et Mal., disp. Ix); Billuart (diss. IV, a. 5 et 6); S. Afonso (L. 2, n. XLIV); Bouquillon (Theol. Moral. Fund., n. 371); Lehmkuhl (Theol. Moral., L. I, tract. I, III); e Noldin (Sum. Theol. Moral., I, 85 sq.).

As penalidades aplicadas à blasfêmia

Na Antiga Lei o blasfemador era punido com a morte. Assim Deus apontou na ocasião da blasfêmia do filho de Salumite: “Todo aquele que amaldiçoar o seu Deus levará o seu pecado. Quem blasfemar o nome do Senhor será punido de morte:toda a assembléia o apedrejará. Quer seja ele estrangeiro ou natural, se blasfemar contra o santo nome, será punido de morte” (Levítico 24:15-16). Ao ouvir uma blasfêmia os judeus costumavam em repulsa ao crime rasgar as próprias vestes (2 Reis 18:37, 19:l; Mateus 26:65).

Entre os atenienses a blasfêmia era impugnável e de acordo com Plutarco, Alcebíades sofreu o confisco dos seus bens por ridicularizar os ritos de Ceres e Prosérpina (Plutarco, Alcebíades). Dentre os antigos romanos a blasfêmia era punível, embora não com a morte. No tempo de Justiniano nós encontramos muitos decretos contra este pecado. Em uma constituição de 538 d.C. o povo era chamado a abster-se de blasfemar, o que provocava a ira de Deus. O prefeito da cidade era obrigado a apreender todos que persistissem em sua ofensa após esta admoestação e condená-los à morte, para que a cidade e o império não sofressem por causa de sua impiedade (Auth. Col., Tit. vii, 7 de novembro). Dentre os visigodos, qualquer um que blasfemasse o nome de Cristo ou expressasse uma injúria à Trindade tinha sua cabeça raspada, era submetido a cem açoites e sofria prisão perpétua em correntes. Dentre os francos, de acordo com uma lei promulgada na Dieta de Aachen, em 818 d.C., este pecado era uma ofensa capital. Nos Evangelhos a blasfêmia é descrita como uma “das coisas que mancha um homem” (Mateus 15:20; Marcos 7:21-23).

A lei canônica medieval punia o blasfemador muito severamente. Por um decreto do século XIII um condenado de blasfêmia era obrigado a ficar diante da porta da igreja durante as solenidades da missa por sete Domingos, e no último destes dias, despojado da capa e sapatos, ele deveria aparecer com uma corda em seu pescoço. Obrigações de jejuar e dar esmolas eram igualmente impostas sob as mais pesadas penalidades (Decret., lib. V, tit. xxvi). Os rigores da disciplina antiga foram insistidos por Pio V em sua Constituição “Cum primum apostolatus” (p. 10). De acordo com a lei prevista nela, o leigo julgado culpado de blasfêmia era multado. A multa era acrescida quando da segunda infração e na terceira ocorrência ele era enviado para o exílio. Se não pudessem pagar a multa, ele era na primeira ocorrência condenado a permanecer perante a porta da igreja, com suas mãos amarradas nas costas. Pela segunda vez ele era açoitado e na terceira vez a sua língua era perfurada e ele era sentenciado às galés (n.d.t.: a se tornar um escravo obrigado a trabalhar remando nas galés). O clérigo blasfemo, se possuísse um benefício, o perdia em sua primeira ofensa um ano da renda; na segunda ocorrência ele era privado deste benefício e exilado. Se não gozasse de algum benefício, ele era primeiro submetido a uma multa e à punição física; ao repetir a ofensa ele era aprisionado, e se ainda persistisse, era degradado e condenado às galés.

A blasfêmia na lei civil

A blasfêmia cognoscível pela lei comum é definida por Blackstone como sendo “negação do ser ou providência de Deus, insolente injúria a Nosso Salvador Jesus Cristo, zombaria profana das Sagradas Escrituras, ou exposição delas ao desprezo ou ridículo”. Os Estados Unidos uma vez tiveram vários estatutos penais contra a blasfêmia, que eram declarados constitucionais como não subversivos à liberdade de expressão ou liberdade de imprensa (Am. and Eng. Ency. of Law, Vol. IV, 582). Nas Decisões Americanas (Vol. V, 335) nós lemos que “Sendo o Cristianismo reconhecido pela lei a blasfêmia contra Deus e a ridicularização profana de Cristo ou das Sagradas Escrituras são puníveis pelo Direito Comum”, Deste modo, se alguém proferisse as seguintes palavras “Jesus Cristo era um bastardo e sua mãe uma vadia”, isto era considerado uma ofensa pública, punível pelo direito comum. O réu sendo considerado culpado pela corte dos apelação comum da blasfêmia acima referida era sentenciado à prisão por três meses e a pagar uma multa de quinhentos dólares.

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