Cabala

O termo agora é usado como um nome técnico para o sistema de teosofia esotérica que por muitas gerações teve um importante papel, especialmente em meio aos judeus, depois do início do século X de nossa era. Ela significa primariamente recepção e, segundamente, uma doutrina recebida por tradição oral. Sua aplicação variou amplamente no decurso do tempo, e foi apenas a partir do século XI ou XII que o termo Cabala se tornou a alcunha exclusiva para o sistema de filosofia religiosa dos judeus que alegam ter sido ininterruptamente transmitido pelas bocas dos patriarcas, profetas, anciãos, etc., desde a criação do primeiro homem.

As duas obras que os defensores deste sistema consideram como sendo exposições com autoridade desta doutrina são o Livro da Criação e o Zohar.

O Livro da Criação

O Livro da Criação é um pequeno tratado consistindo de seis capítulos subdivididos em trinta e três seções muito curtas. Foi escrito em Hebraico Mishnaico, e é composto de sentenças oraculares. Ele professa ser um monólogo do patriarca Abraão, que enumera os trinta e dois caminhos do conhecimento pelos quais Deus criou o universo e que mostra, pela analogia que se considera existir entre as coisas visíveis e as letras que são os símbolos do pensamento, a maneira pela qual tudo teria emanado de Deus e Lhe é inferior.

O Zohar

O Zohar, ou segunda obra expositória da Cabala, foi justamente chamada de “Bíblia” dos cabalistas. Foi escrito em Aramaico, e sua porção principal está na forma de um comentário do Pentateuco de acordo com a divisão deste último em cinquenta e duas lições semanais. Seu título Zohar (luz, esplendor) foi derivada das palavras de Gênesis 1:3 (“Faça-se a luz”) com cuja exposição o livro começa. É um trabalho de compilação, no qual diversos fragmentos de tratados antigos podem ainda ser identificados. A seguir está um breve relato dos conteúdos principais — doutrinal, hermenêutico e teúrgico — do Zohar.

Conteúdo doutrinal do Zohar

O Primeiro Mundo

Considerado em Si mesmo, o Ser Supremo é o En-Soph (Contínuo, Infinito) e, de certa forma, o En (Não-existente) já que existência é numa concepção humana uma limitação que como tal não poderia ser atribuída a Ele. Podemos conceber e falar de Deus apenas na medida em que Ele se manifesta e, por assim dizer, descreve a Si mesmo no ou através do Sephiroth.

  • Sua primeira manifestação foi através da concentração em um ponto chamado a primeira Sephira — “a Coroa”, como é chamada — que é dificilmente distinguível do En-Soph de Quem ela emana, e a qual é expressa na Bíblia pelo Ehieyeh (Eu sou). Da primeira Sephira procede a potência masculina ou ativa chamada conhecimento, representada na Bíblia pelo Yah, e uma oposta, i.e. uma potência feminina ou passiva, chamada inteligência, e representada por Yahweh. Estas duas potências opostas são ligadas pela “Coroa”, e assim produzem a primeira trindade de Sephiroth.
  • Da junção das tendências opostas citadas acima emanam a potência masculina chamada amor, a quarta Sephira, representada pelo El Bíblico, e a feminina justiça, a quinta Sephira, representada pelo nome Divino Elohah. Delas ainda emanam a potência unitiva, beleza, a sexta Sephira, representada na Bíblia por Elohim. E assim é constituída a segunda trindade do Sephiroth.
  • Por sua vez, a beleza irradia a sétima Sephira, a potência masculina, firmeza, correspondente ao Yahweh Sabaoth, e também apresenta a potência feminina esplendor, representada pelo Elohe Sabaoth. Do esplendor emana a nona Sephira, fundação, que responde pelo nome Divino El-Hai e completa a terceira trindade de Sephiroth.
  • Por último, o esplendor envia o reino, a décima Sephira, que envolve todas as outras e é representada por Adonai.

Estas dez Sephiroth são emanações do En-Soph, formando entre elas e com Ele uma estrita unidade, da mesma forma com que os raios que procedem da luz são simplesmente manifestações da única e mesma luz. Elas são infinitas e perfeitas quando o En-Soph comunica Sua plenitude a elas, e finitas e imperfeitas quando essa plenitude é retirada delas (Ginsburg). Em sua totalidade, elas representam e são chamadas de homem arquetípico, sem o qual a produção de mundos permanentes seria impossível. De fato, elas constituem o primeiro mundo, ou mundo das emanações, que é perfeito e imutável por causa da sua procedência direta da Divindade.

O Segundo, Terceiro e Quarto Mundos

Emanando imediatamente deste primeiro mundo estão o mundo da criação, as dez Sephiroth das quais são de uma potência mais limitada, e as substâncias das quais são da mais pura natureza. Do mundo da criação procede o mundo da formação, com suas dez Sephiroth menos refinadas, embora suas substâncias sejam ainda sem matéria. Finalmente, deste terceiro mundo procede o mundo da ação ou da matéria, as dez Sephiroth das quais são feitos os elementos brutos das outras obras.

Os Anjos

Destes muntos, o segundo, aquele da criação, é habitado pelo anjo Metatron, que governa o mundo visível, e é o capitão das tropas de anjos bons que em dez classes populam o terceiro mundo, aquele da formação. Os demônios ou anjos maus habitam o quarto mundo, aquele da ação, as regiões mais profundas que constituem os sete círculos do inferno nos quais os demônios torturam os pobres mortais a quem eles seduziram ao pecado em suas vidas. O príncipe dos demônios é Samael (o “anjo do veneno ou da morte”); ele tem uma esposa chamada a Meretriz; mas ambos são tratados como uma só pessoa, e são chamados de “a Besta”.

Homem

O homem foi criado diretamente não por En-Soph, mas pelo Sephiroth, e é a contraparte do homem arquetípico. Seu corpo é meramente um traje da sua alma. Assim como Deus, ele possui uma unidade e uma trindade, esta última sendo feita do espírito representando o mundo intelectual, a alma representando o mundo sensível, e a vida representando o mundo material. As almas são preexistentes destinadas a habitar em corpos humanos, e sujeitas à transmigração até que finalmente retornem para Deus.

O Destino do Mundo

O mundo, também incluindo o próprio Samael, irá retornar por fim—i. e. no advento do Messias nascido no fim dos tempos—ao seio da Fonte Infinita. Então o Inferno irá desaparecer e a felicidade infinita começará.

Conteúdo hermenêutico do Zohar

Todas essas doutrinas esotéricas da Cabala estão supostamente contidas nas Escrituras Hebraicas, nas quais entretanto, elas só podem ser reconhecidas por aqueles iniciados em certos métodos hermenêuticos. A seguir estão os três principais métodos para se descobrir os mistérios celestiais escondidos sob as letras e palavras do Texto Sagrado:

  • a Temurah (mudança) por meio da qual cada letra do alfabeto hebraico é intercambiada com outra, de acordo com alguns processo definidos, como quando Aleph, a primeira letra, se torna Lamed pela permita com a décima segunda, a segunda, Beth, torna-se, Mem, a décima terceira, etc.; ou como quando a última letra toma o lugar da primeira, a penúltima toma o lugar da segunda, etc.;
  • a Gematriah (Gr. gemetria), que consiste no uso de valores numéricos das letras de uma palavra com o propósito de comparação com outras palavras, que dão a mesma combinação de números ou uma equivalente: assim em Gênesis 49:10, “Shiloh come” é equivalente a 358, que também é o valor numérico de Mashiah, donde é inferido que Shiloh é idêntico a Messias;
  • o Notarikon (do latim notarius), ou processo de reconstruir uma palavra usando as iniciais de várias, ou uma sentença usando todas as letras de uma única palavra bem como muitas iniciais de outras palavras; por exemplo, a palavra Agla é formada pelas iniciais da sentença em hebraico: “Thou (art) (a) Mighty (God) forever.” (n.d.t.: Tu (és) (um) Poderoso (Deus) para sempre”.

Conteúdo teúrgico do Zohar

O teúrgico, ou último elemento principal do Zohar, não precisa de uma longa descrição aqui. Ele forma parte do que tem sido chamado a Cabala “prática”, e fornece fórmulas pelas quais o adepto pode entrar em comunicação direta com os poderes invisíveis e assim exercitar a autoridade sobre os demônios, a natureza, as doenças, etc. De uma maneira geral ele é o resultado natural do significado extraordinário oculto atribuído pela Cabala às palavras do Texto Sagrado, e em particular aos nomes divinos.

Conclusão

Evidentemente, o Livro da Criação não veio de Abraão, como foi alegado por muitos cabalistas. Sua atribuição por outros ao Rabbi Akiba (d. A.D. 120) também é matéria de controvérsia. Com relação ao Zohar, sua compilação é devidamente atribuída a um judeu espanhol, Moisés de León (m. 1305), ainda que alguns dos seus elementos pareçam ser de uma antiguidade bem maior. Muitas das suas doutrinas lembram àquelas de Pitágoras, Platão, Aristóteles, dos neo-Platonistas de Alexandria, dos Panteístas Orientais ou Egípcios, e dos Gnósticos do começo da era Cristã. Suas especulações a respeito da natureza de Deus e a relação com o universo diferem substancialmente dos ensinamentos da Revelação.

Por fim, decididamente não é correto considerá-la como um meio eficaz de induzir os judeus a acolher o cristianismo, embora isto tenha sido sustentado por alguns estudiosos cristãos como R. Lully, Pico della Mirandola, Reuchlin, Knorr von Rosenroth, etc., e ainda que alguns proeminentes cabalistas judeus como Riccio, Conrad, Otto, Rittangel, Jacob Franck, etc., tenham abraçado a fé cristã, e proclamado em suas obras a grande afinidade de algumas das doutrinas da Cabala com as do Cristianismo.

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